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Reflexões sobre as teorias das Relações Internacionais

Inspirado por uma discussão na rede social Orkut, sobre teoria das relações internacionais e aplicabilidade, tema alias, que de certo modo é constante aqui nesse espaço, onde já abordei alguns aspectos do que considero ser a conduta pertinente de um cientista e os limites teóricos das relações internacionais. [Aqui] e [Aqui]

Relações Internacionais como ciência.

Todos nós, que somos iniciados na ciência das relações internacionais sabemos que o desenvolvimento, consolidação e separação do campo de estudo das relações internacionais e como a definição de seus objetos e limites se deram por meio dos grandes debates, antes, contudo que façamos um memorial desses debates acho ser válido refletirmos um tema ainda mais inicial, o tema da própria ciência, seus termos e como construímos o saber cientifico, ou seja, abordarei aqui a temática da metodologia cientifica. Para isso repassaremos vários conceitos básicos. Tais como os elementos que formam uma teoria. Esse escrito é fortemente influenciado pelo pensamento do físico, historiador e filósofo alemão naturalizado americano Gerald Holton. Como ficará evidente mais abaixo.

Acho pertinente refletir sobre o que é o método cientifico e para isso me valho do trabalho das eminentes professoras da Universidade Federal de Santa Catarina Edna Lúcia da Silva e Estera Muszkat Menezes que em seu e-book (disponível gratuito basta procurar no Google) chamado Metodologia da Pesquisa e Elaboração de Dissertação na página 25 “A investigação científica depende de um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos” (Gil, 1999, p.26). [...] Método científico é o conjunto de processos ou operações mentais que se devem empregar na investigação. É a linha de raciocínio adotada no processo de pesquisa. Os métodos que fornecem as bases lógicas à investigação são: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico (GIL, 1999; LAKATOS; MARCONI, 1993).”

Bom, mas o que é uma teoria?

Teoria pode ser definida de uma maneira satisfatória, mas não pacífica já que existem muitas correntes mais ou menos abrangentes do que seja uma teoria, usarei aqui a definição do físico Stephen Hawking que se encontra em seu Best-seller Uma breve história do tempo: “uma boa teoria deve satisfazer a dois requisitos: Precisa descrever com precisão um número razoável de observações, com base em um modelo que contenha poucos elementos arbitrários; e deve prever com boa margem de definição resultados de observações futuras". Nesse sentido nos ensina o filosofo Karl Popper (apud SILVA; MENEZES apud Gil) “quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar a dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou hipóteses. Das hipóteses formuladas, deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo se procura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipótetico-dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-la”.

Sinteticamente podemos dizer que uma teoria das relações internacionais busca explicar o fenômeno internacional a partir da observação de um fenômeno e da obediência ao método cientifico. E a partir da analise sistemática do fenômeno construir uma hipótese, que depois de falseada possa servir de parâmetro para prever acontecimento futuros. A definição desse objeto de estudo da área da delimitação do campo e dos atores, como veremos abaixo foi o tema central dos grandes debates

Debates Teóricos – Uma síntese, uma breve memória

Autores influenciados pela escola inglesa como Marcus Faro de Castro e Fred Halliday (pra citar só dois), colocam o DNA das relações internacionais no Direito das Gentes, fruto da engenhosidade do Império Romano na administração do império, era, a grosso modo, um código visava lidar com a resolução de disputas entre cidadãos romanos e não cidadãos. É o germe do direito internacional, mas na época de Roma não regulava ação entre Estados esse caráter veio com o tratado da Vestifália.

Como contrapartida do sistema de balança de pode do Concerto Europeu do Século XIX, que culminou somado a outros fatores com a Primeira Guerra Mundial surgiram os famosos 14 pontos de Woodrow Wilson com uma clara influência kantiana numa busca da paz perpétua, pretendia-se com esse sistema prevenir os conflitos por meio da juridicidade.

Os debates serão aprofundados em posts próprios e mais detalhados aqui daremos apenas uma memória das idéias em debate. Não pretende, reitero esgotar ou apresentar os debates de forma mais profunda essa parte dos debates foi retirada de WILLIAMS GONÇALVES Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal Fluminense, em seu texto denominado Relações Internacionais disponível no Google Scholar ensina acerca dos debates:

“O primeiro desses “Grandes Debates” aconteceu ao longo da década de 1930, opondo a corrente dominante Liberal- idealista à corrente emergente do Realismo.

O segundo “Grande Debate” aconteceu no final dos anos 1950. O conteúdo desse debate foi, fundamentalmente, de ordem metodológica, opondo Behavioristas a Tradicionalistas. Ao invés, portanto, de procurar formular teorias que pudessem dar conta das relações internacionais em toda sua abrangência, tal como o faziam os Realistas Tradicionalistas, os Behavioristas defendiam a tese segundo a qual seria a partir de modelos explicativos limitados (tais como a Teoria dos Jogos e o Modelo de Comunicação) que seria possível, chegar das partes, ao todo e, conseqüentemente, a uma visão mais precisa das relações internacionais.

Também crítica ao Realismo clássico foi a “Escola Inglesa” uma das poucas correntes de grande prestígio. A particularidade da “Escola Inglesa” está no fato de ter proposto a análise das Relações Internacionais a partir do marco filosófico fixado por Hugo Grotius (1583 – 1645). [...] Ao seguir o caminho apontado por Grotius, Hedley Bull argumentou em favor da existência da “sociedade internacional”, um conceito que, pode-se dizer, forma o eixo central da “Escola Inglesa”. O uso desse conceito preenche o espaço que separa, segundo Martin Wight, a tradição Hobbesiana da tradição Kantiana. Para Bull, o fato de, no meio internacional, não existir governo central com capacidade de fazer respeitar as leis, não impede de se falar da existência da sociedade internacional. Apenas pondera que tal sociedade é de tipo diferente das sociedades nacionais, sendo a sua principal diferença, o caráter anárquico da sociedade internacional.

O terceiro “Grande Debate”, conhecido como o “Debate dos Paradigmas”, transcorreu ao longo os anos 1970. Os estudiosos norte-americanos Robert Keohane e Joseph Nye foram seus principais protagonistas. Contra as teses centrais da corrente Realista, ambos co-editaram as duas principais obras em defesa das teses da Interdependência Complexa, Transnational Relations and World Politics (1971) e Power and Interdependence: World Politics in Transition (1977) [...] em oposição ao Realismo, os Pluralistas afirmavam que o Estado não podia mais ser considerado como o único ator válido das relações internacionais; era hora de se reconhecer a existência e a influência de outros importantes atores, tais como as próprias diferentes instâncias do aparato burocrático estatal, como também as organizações não-governamentais, especialmente representadas pela corporação multinacional. [...] A crítica Pluralista ao Realismo, vale dizer, produziu reação da parte da corrente Realista, da mesma forma que levou os Pluralistas a se situarem melhor no contexto da polêmica por eles criada. E o resultado desse processo acabou por desenhar o quadro das opções teóricas atuais. Isso porque, de um lado, o Realismo, ao promover alguns ajustes em seu corpo teórico, se fez neo-realismo. De outro lado, o Pluralismo, para responder às críticas dos teóricos da Dependência (os quais não podiam admitir a idéia de interdependência complexa com assimetria), assumiu seu caráter abertamente liberal, convertendo-se, então, em Neoliberal.”


Por isso esse debate, também é conhecido como debate “neo-neo”. Outras teorias existem e serão abordadas em seu tempo.

Como avaliar uma teoria

Para avaliar a contento a validade de uma teoria necessitamos de ferramentas que nos permitam o fazer de maneira racional e isenta, essas ferramentas são a Ontologia, a Epistemologia e a Axiologia.

Podemos definir assim essas ferramentas de construção do saber, de modo abreviado ontologia é ciência do ser, seu objeto é determinar o que é. Epistemologia é a ciência do conhecimento seu objeto é saber como sabemos o que sabemos. Axiologia é ciência da escolha moral ou das escolhas fundamentais.

Ao aplicar esse modelo tridimensional de análise de uma teoria no obriga ao rigor, uma vez que a axiologia determina o que estamos a analisar (delimita nosso objeto), a epistemologia nos obriga ao compromisso com a verdade fundamentada (verdade que pode ser provada com evidencias e argumentos) e isso obviamente no afasta do achismo solto. E axiologia nos obriga a rever a nossas escolhas morais, nossas escolhas subjetivas, que valores nos guiam. Esse eixo tridimensional pode servir de guia para analisarmos a abrangência e relevância de uma teoria, não obstante as dificuldades inerentes. O leitor aqui que for iniciado na história da ciência já percebeu que batizei os eixos tridimensionais de Holton diferentemente do que ele fez, mas mantive a imagem de um plano tridimensional, para ser justo com o leitor devo dizer que o pensamento de Holton é bem mais avançado que o meu (nossa que surpresa!).

Holton assim nomeia os vértices de sua visão tridimensional da ciência. O plano x0y é definido como tendo um eixo fenomênico, respeitante à componente empírica do conhecimento, e um eixo analítico, que diz respeito à lógica e à matemática. Ortogonal a estes eixos, temos o eixo temático. Este eixo é talvez o mais interessante de analisar, já que se refere aos pressupostos fundamentais de cada cientista.

Como até os mais elementares conceitos trigonométricos como um plano com eixos x,y,z me confundem acho mais fácil lidar com essa temática importando esses termos da filosofia e os definindo como fiz acima, mantendo a lógica da análise de Holton.

Tendo em mente esse modelo tridimensional podemos avaliar qualquer teoria levanto em conta seus aspectos ontológicos, epistemológicos e axiológicos. Esse ultimo Holton chama de eixo temático é particularmente interessante de se analisar por lida com preconceitos inerentes ao cientista, que muitas vezes são desconhecidos dos mesmos. Aliás, sobre essa formação de conceitos teóricos ‘contaminados’ que pode ser entendido um texto aqui já comentado escrito pelo renomado historiador brasileiro Amado Cervo. Seria esse difícil fantasma (pra usar uma terminologia que já empreguei em outras análises)que afasta as teorias das relações internacionais de um alcance universal já que teorias elaboradas em países centrais acabariam por se sustentar e tratar como verdade construções ‘culturais’, ‘ideológicas’ ou ‘preconceituosas’ dessas comunidades cientificas e o mesmo vale, também, para as teorias oriundas do chamado mundo em desenvolvimento.

Considerações Finais?

Não me atrevo a lançar conclusões em um debate como esse de caráter central para a ciência das relações internacionais, posso sugerir, contudo que ao aplicar esse método tridimensional conseguimos avaliar melhor uma abordagem teórica o que nos pode ser útil ao elaborarmos uma pesquisa, uma monografia ou até mesmo uma consultoria.

Esse assunto ainda será abordado, já que creio ser fascinante além de fundamental, pretendo em breve escrever posts mais completos sobre os debates e as correntes e se for capaz analisarei essas correntes a partir dos enunciados de Holton.

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