Quando ainda me encontrava no turbilhão da graduação vivendo intensamente a vida acadêmica e a vida social típica dos tempos universitários, era comum me deparar com a onipresente afirmação: “Relações Internacionais é bom por que você viaja o mundo, né?!”. Existe uma associação tácita entre relações internacionais e glamour. Imaginam logo grandes reuniões, convescotes em salões acarpetados, coquetéis grandiosos, acho que os meus interlocutores até conseguiam sentir o paladar de canapés exóticos e ouvir o titilar de taças e um quarteto de cordas, como numa cena tirada de um folhetim televisivo. Sentia uma dose de inveja emanando deles ao pensarem que por força da minha formação acadêmica estaria eu destinado a uma vida nômade pelos mais vistosos e imponentes aeroportos do mundo.
A vida de profissional das relações internacionais, embora, seja pontuada por momentos que quase correspondem a essa romântica (e tanto utópica) visão da carreira. Está longe de ser uma vida glamour.
Tive a oportunidade graças, primeiramente, a meus pais e ao curso de conhecer outros países e imergir em outras culturas. É claro, que por força da juventude, da inexperiência e da natureza dessas viagens muitas são as histórias de gafes culturais, surpresas e perplexidades.
Algumas questões, contudo, permanecem. É fundamental na formação de um internacionalista que ele se aventure por outros países? E, mais até que ponto uma incursão turística ajuda a decodificar um país, a entendê-lo?
Começando pela segunda inquietação sou obrigado a refletir sob minha experiência pessoal, portanto não sei até que ponto podem ser universalizadas as conclusões que chegarei. É verdade que viajar imprime na memória gostos, texturas, odores, sons. Que sabemos são armazenados numa parte afetiva do cérebro e sempre nos invocam as sensações que sentíamos quando os vivenciamos pela primeira vez.
Conversar com as pessoas (quando é possível romper as barreiras lingüísticas) é um exercício fascinante, desde os maneirismos que podemos identificar em quase todo um povo, quanto os mais regionais que identificam uma cidade em especial. Para o internacionalista é curioso, também, ver como a pessoa comum, o taxista, o balconista percebem seu país e sua Política Externa. Mais valioso obviamente é o contato com pesquisadores e estudiosos locais, que nos apresentam novas fontes, novos autores, novas visões.
Ao andar pelas ruas de um país estranho pela primeira vez é como se por alguns segundos recobrássemos o olhar atento e a vontade de vivenciar tudo pela primeira vez que tinhamos na mais tenra infância. Observamos prédios, paisagens, placas publicitárias, observamos as relações sociais notamos as diferenças e as similaridades. Eu pelo menos me fascino com a vida cotidiana da cidade, com o ordinário.
Há uma limitação inerente nesse tipo de experiência, somos levados a tomar a nossa vivência nessas terras e nossas interações com os locais que encontramos como a realidade daquele determinado país. E ai abrimos a porta a juízos temerários e preconceitos que tornam qualquer generalização a partir dessa experiência uma afirmação fortemente contaminada, que pode em ultimo caso interferir em nossas atividades profissionais negativamente.
Persiste a questão será que existe a necessidade de que a formação de um internacionalista, necessariamente, inclua temporadas de imersão cultural? Bom, a resposta não poderia ser mais em cima do muro, depende.
Depende da natureza da ida ao exterior e do tipo de trabalho desenvolvido. Por exemplo, se alguém vai para fazer um intercâmbio universitário é claro que a viagem enriquece a vida acadêmica por permitir acesso a fontes, professores entre outras coisas que esse estudante (não importa o nível, se graduação ou pós) não teria de outro jeito.
Já a viagem meramente turística pode ter apelo anedótico ajudando ao analista de modo indireto.
É a meu ver fundamental na formação e no exercício profissional na seara das relações internacionais o amor pela leitura, pela pesquisa, pela biblioteca e pelas livrarias. Lembro da alocução do Patrono da minha turma de formatura, Dr. Paulo Roberto de Almeida, entre os conselhos que o ‘velho contrarianista’ nos dava estava:
“[...] contrariem o desejo, ainda que compreensível, de aposentar os livros e deixar os estudos de lado, agora que vocês têm um canudo na mão e algumas idéias na cabeça. Ao contrário, sejam opositores sistemáticos da aposentadoria precoce nos estudos, e voltem imediatamente às leituras, às bibliotecas, às livrarias, às pesquisas de internet.
Não parem de estudar, em nenhum momento da vida. Aliás, comecem a fazê-lo imediatamente, assim que saírem daqui. Afinal de contas, até agora, vocês fizeram, em grande medida, aquilo que os professores determinaram que vocês fizessem, com uma série de leituras chatas e outras tantas obrigações impostas.
Neste momento, cabe a vocês mesmos imporem a si mesmos um programa sistemático de estudos e de leituras que melhor se conformar às habilidades, gostos e orientações particulares de cada um. Sejam, portanto, contrários ao estudo dirigido e estabeleçam, vocês mesmos, um plano regular de dedicação à formação metódica da especialidade que vocês pretendem ter na vida. [...] Por isso, mãos à obra: coloquem o canudo de lado e comecem a estudar de novo.”
Nos livros, nas revistas cientificas nós encontramos as ferramentas teóricas e conceituais que nos permitem decodificar o mundo. Nos livros encontramos o conhecimento acumulado da humanidade e podemos nos firmar nos ombros de gigantes.
Portanto, se obrigado a escolher entre o passaporte e o cartão da biblioteca. Mesmo sendo um apaixonado ‘cidadão do mundo’, um turista entusiasta, um desbravador. Escolheria mil vezes, fosse preciso, o cartão da biblioteca, passaporte para um mundo de saber incomensurável.
Comentários
Como nos quis fazer entender Prometeu, o grande titã grego, provocador direto de Zeus: conhecimento adquirido jamais será perdido!
Significa dizer: Não importa onde nós o procuremos, ele sempre vai estar lá, esperando por nós.
Excelente texto!
Beijocas,
Carol