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Limites teóricos e isenção: Desafios perenes do analista internacional (ou vida e morte do pequeno Tim)

Todos nós que nos aventuramos na análise internacional somos assombrados pelos fantasmas do preconceito, da simpatia cega e dos limites teóricos. Como as personagens do “A Christmas Carol” de Charles Dickens.

Tal qual Ebenezer Scrooge somos primeiro avisados de nossos erros não pelo espírito de nosso ex-sócio falecido e cuja viúva roubamos, como no conto. Mas, pela incapacidade de termos percebidos e antevisto (com raríssimas exceções) mudanças estruturais profundas nas relações internacionais, como a queda do muro de Berlin, por exemplo.

Apaixonados estávamos pelos enunciados teóricos, nos ocupávamos de debates epistemológicos e esquecíamos de observar os fenômenos internacionais, essa era a nossa ganância. A ganância pela teoria universal, a ‘teoria das cordas’ das relações internacionais. Acumulamos conhecimentos, mas o que fizemos com eles? Fomos avarentos como o funesto Mr. Scrooge? Estaríamos nós matando o pequeno TIM (a ciência das relações internacionais nessa minha alegoria um tanto exótica)?

Pois bem é chegada a madrugada e a casa silencia, o sono nos é roubado pelo primeiro dos fantasmas, mas nesse caso não é um fantasma dos natais passados, pois o passado e a história nos servem bem, nos emprestam empirismo e bases para estudos comparativos. O fantasma que nos acorda é o fantasma do preconceito, em sentido amplo, inevitavelmente os conceitos em relações internacionais, como em outras ciências sociais podem nos despertar paixões ‘apriorísticas’, julgamos condutas com nossos filtros morais e culturais mesmo antes de termos os fatos todos. Ao fazermos isso, cumprimos nosso dever de entender o internacional tanto na ótica da raison d'État, como aspectos sistêmicos, que se devidamente identificados podem evitar crises internacionais, e prejuízos a nossos clientes?(pelo menos para aqueles de nós que se aventuram na consultoria)

Acordamos, lavamos o rosto e pensamos isso foi um sonho, nada aconteceu e de volta a cama, outra vez se torna gélido o ar, outra vez dispara o coração e outra vez somos despertados. Novamente não por um fantasma do natal presente, mas pelo assustador fantasma da simpatia cega, irmão do fantasma anterior, quase gêmeo, mas com um caráter inverso. Esse nos obstrui a visão por que somos simpáticos a determinadas causas, atores ou regimes internacionais e por isso mesmo não conseguimos ver as ‘forças profundas’ que se movem com eles, novamente a percepção do fenômeno internacional nos é negada pela incapacidade de sistematizar uma análise sem a necessidade de defender uma causa, novamente o fantasma nos faz íntimos do objeto de estudo e nos cega a percepção.

Agora convencidos do problema, mas reticentes em mudar nossas vidas, afinal vivemos até aqui e nos fartamos no banquete da acumulação mesquinha, cheios de divisas. Opiniões sem o devido embasamento, mas maquiadas de saber cientifico, afinal os fantasmas nos roubaram a visão e nem percebemos que somos mesquinhos nos recusando a gastar o conhecimento o transformando em sabedoria, nesse momento nos visita o terceiro fantasma os limites teóricos o fantasma cruel que nos mostra nossa tumba desmazelada, sem viúva, flores ou pranto. Por que não importa quão significativos forem os avanços da Teoria das Relações Internacional, seu alcance explicativo será sempre limitado por seus enunciados, dos quais nos tornamos advogados, ideólogos, partidários. Não serão meras evidencias empíricas que vão nos fazer mudar de idéia, mas o fantasma então nos leva a ver que nossa riqueza avarentamente acumulada no final de nada serviu, nada foi produtiva. E nossa morte cognitiva, não é por ninguém lamentada.

Mas, a mensagem dos fantasmas é que ainda há tempo para nós que nos julgamos analistas internacionais, por uma análise bem feita devemos sacrificar ao máximo possível o culto do eu, no sentido de buscar a análise mais isenta, buscar valorar com critério e com lógica, nos usarmos dos postulados teóricos para enriquecer nossas análises e não como muleta que nos permite não ter que considerar fatores complexos. Somos sujeitos a um alto grau de subjetivismo e por isso devemos ser vigilantes, atentos a lógica e a correção de nossos argumentos.

Para escapar dessas assombrações, nos valemos das teorias e da isenção não para justificar visões pré-concebidas, como se fossemos imbuídos de uma visão superior, a capacidade de nossa analise reside em saber enxergar o viés das fontes, sermos céticos, aplicarmos um método na criação de um saber (seja um ensaio como esse, seja um paper, seja uma monografia, dissertação, tese ou consultoria) temos sempre que usar da cientificidade, para que não sejamos apenas ‘opinadores’, mas sim verdadeiros analistas.

Isenção atribuição difícil, mas podemos almejar a isso, podemos ter como método sua busca, atingindo assim a honestidade intelectual, agindo a boa-fé, e com respeito, ao enorme trabalho de análise e decodificação do sistema internacional que somos herdeiros, não um respeito reverencial e dogmático que nos impede de avançar ou identificar falhas nos postulados não deixemos o pequeno Tim, morrer por egoísmos fantasmagóricos. Sejamos antes de tudo cientistas.

Não sei se tenho o caminho para que compreendamos os limites teóricos e possamos empurrá-lo adiante, ou que tenha o caminho para a isenção. Não quero aqui criticar ninguém, falo no plural por que é uma reflexão sobre todos nós. Não tenho a verdade sobre esses fatos, nem evidências quantitativas de que somos torpes em nossas análises, entretanto devemos aceitar que esses fantasmas ai estão e devemos procurar um jeito de nos livrarmos deles, quem descobrir um método bom pra não deixar as nossas idiossincrasias contaminarem nossas análises, por favor, me ensine.

Não tenho resposta pras indagações que faço, nem sei como já disse se valem para todos os meus leitores e nem se são justas (afinal ainda luto pra me libertar da avareza e conseguir comprar o maior ganso de natal do açougue para presentear o leal Bob Cratchit, pai do pequeno Tim), todavia, fica a reflexão individual, que tanto fez, faz, e fará pela ciência. Fica, também, a provocação, seremos ou não o Mr. Scrooge?

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