Em homenagem aos 40 anos da Revolução dos Cravos, segundo alguns primeiro movimento da terceira onda de democratização que varreu o mundo, transcrevo essa história daquele 25 de Abril em terras lusitanas. A história é contada com a reconhecida qualidade literária do embaixador Francisco Seixas da Costa.
A cabine
Por Francisco Seixas da Costa
Estava-se nas primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974. Todo o pessoal que dormia no quartel tinha sido acordado e mandado formar no escuro da parada. De megafone na mão, o capitão que liderava a revolta, anunciou que a unidade ia integrar um movimento militar que tinha como finalidade “acabar com a ditadura”, competindo-lhe atacar um determinado objectivo.
Os soldados, quase todos ensonados, alguns ainda a despistar a hipótese de se tratar de um mero exercício, ouviram em silêncio as palavras do capitão: quem quisesse alinhar que fosse buscar a sua arma, os restantes podiam voltar para a cama.
Mas já ninguém conseguiria dormir. Ouviram-se alguns comentários e apartes mais entusiastas, de milicianos com tarimba das lutas do associativismo universitário, alguns dos quais já previamente contactados, para o que viria a ser uma das primeiras operações militares que o Movimento das Forças Armadas iria efectuar nessa madrugada.
O pessoal foi mandado destroçar e, em pequenos grupos, regressou, cochichando, às camaratas, em busca da arma ou do travesseiro para a vigília.
Foi então que um soldado, discretamente, se aproximou da cabina telefónica que existia num canto da parada. Abriu a porta e, nessa altura, alguém, mais atento, atirou-lhe um berro:
- "Eh! pá, o que é que vais fazer?".
O rapaz olhou, meio apalermado, largou a porta da cabina já entreaberta e disse, com toda a candura, que só queria avisar a família, não fossem ficar em cuidados quando ouvissem as notícias.
- “Nem as penses! Pira-te daí!”, ouviu logo.
Desapareceu de imediato, rumo à camarata. Alguém entrou na cabina e arrancou o fio do telefone.
Como se faria hoje uma revolução, na era dos telemóveis?
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Nota do Editor: A foto é do acervo do embaixador e é a cabine como estava no 25 de abril de 2014.
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