Pular para o conteúdo principal

Caso Assange: Algumas Considerações

A concessão de asilo diplomático a Assange pelo Equador é um dos temas mais quentes nas páginas dedicadas ao noticiário internacional, nos meios de comunicação tradicionais e novos na América Latina. Gerando até reuniões dos diversos órgãos multilaterais que permeiam a região, num movimento que muitos vêem como resposta uníssona contra uma decadente ex-potência imperial e uma demonstração de política independente em relação aos EUA.

Tamanha mobilização nos mostra que os grupos de opinião e pressão pró-Assange são bastante habilidosos na condução política de suas ações sabendo muito capitalizar a imagem justificada ou não de herói do homem comum e de defensor intransigente da liberdade de imprensa e da transparência. E, claro, galgam muito apoio se valendo do velho sentimento antiamericano arraigado em setores diversos da vida social dos países da região latino-americana.

Ao receber esse forte matiz ideológico a questão passa a se tornar mais difícil de analisar sem que o discurso militante contamine a análise. E para tentar formar uma opinião sobre o assunto nada melhor que abordar com calma suas múltiplas facetas, nesse sentido – e provocado pelo texto do meu amigo diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, que reproduzi aqui – busquei fazer uma pesquisa (leve devo admitir) sobre a temática do asilo diplomático.

A figura do asilo territorial e do asilo diplomático não possuem um quadro geral de referência no Direito Internacional, ou seja, não são institutos codificados em um tratado multilateral que torne as condutas previsíveis. E mesmo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas não possui sequer menção ao tema. Que de certo deve ser um dos que o consenso é muito complicado de atingir.

Muito embora a prática do asilo seja antiguíssima havendo registros dessa prática por toda parte, embora na antiguidade fosse mais comum que se desse asilo a criminosos comuns e não a criminosos políticos, afinal quem arriscaria uma guerra com Roma, ao proteger um inimigo desse império?

Com o tempo a necessidade de combate aos crimes transnacionais e para incentivar a cooperação entre as diversas jurisdições passou-se a considerar que o asilo era devido àqueles que sofrem perseguição judicial por crimes políticos e de opinião. E passou a ser comum a extradição – sempre que instrumentos bi-laterais assim regulem – de criminosos comuns.

O marco multilateral mais importante que versa sobre o asilo é o artigo 14, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz:

“1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.   

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.”

Fonte: Ministério da Justiça, disponível aqui.

A história de instabilidade e perseguição política na América Latina impulsionou a constituição de um sistema interamericano de regulação multilateral da questão do asilo com dois importantes tratados a Convenção sobre Asilo Diplomático e a Convenção sobre Asilo Territorial.

A inexistência de um marco legal que vincule, ou seja, obrigue os Estados não-membros da OEA a respeitar a figura do asilo diplomático está na raiz de declarações como a do ministro das Relações Exteriores do Reino Unido que William Haugue:

“Não é um conceito universal. O Reino Unido não firmou nenhuma legislação que nos exija reconhecer o asilo concedido por uma embaixada estrangeira. Além disso, inclusive nos países que reconhecem este direito, não o fazem para que uma pessoa escape do processo judicial”

E essa é a raiz do imbróglio todo e o porquê do Equador estar a arregimentar apoio regional para elevar o peso político de uma ação mais intempestiva do Reino Unido, por que nesse momento a única garantia de Assange está na extraterritorialidade da sede de Missão Diplomática.

A ação que corre em desfavor de Assange, na Suécia, tem natureza penal e é um delito de caráter sexual. O fundador do Wikkileaks é acusado por duas nacionais suecas, ex-colaboradoras do site do ter mantido relações sexuais sem o uso de preservativos, o que na lei local, é tipificado como ofensa sexual. E não importa ai o caráter consensual da relação.

É importante notar a natureza da causa, posto que o único referencial multilateral sobre o tema asilo é bem especifico ao excluir do rol dos motivos aceitos os crimes chamados de comuns.

A leitura puramente técnica da questão não justifica o asilo, mas a leitura de mundo de que as acusações são falsas e apenas um disfarce para efetuar perseguição política justifica não só o asilo como a posição de mártir da liberdade de imprensa para Julian Assange e por isso do seu bem elaborado discurso de hoje, apelando para que o Obama cesse ao que seria caça as bruxas.

A formidável equipe de defesa de Assange tem insistido na tese que seu cliente, ainda que escondido da justiça sueca seria um réu que estaria a colaborar com a justiça do país nórdico se oferecendo para depor. Essa tese não se sustenta já que seria o mesmo de considerar cooperativo um réu fugitivo que aceite depor por telefone ou vídeo-conferência aos juízes direto do seu esconderijo.

A genialidade dessa linha de defesa que exige ainda um compromisso sueco de se abster de uma eventual – e no momento virtual – extradição de Assange para os EUA é colocar perante uma opinião pública que já o vê sob uma ótica favorável como alguém que quer resolver a questão, mas que seriam os suecos os intransigentes.

Novamente numa comparação seria como um criminoso concordar em se entregar a justiça desde que possa escolher para que presídio deve ser enviado, um privilégio que poderia fazer sentido como barganha para uma delação, por exemplo.

Esse impasse não deve ser resolver tão cedo, já que o Reino Unido não pode se abster de cumprir suas leis e seus compromissos externos que os obrigam a deter Assange e não há nenhum compromisso internacional que os obrigue a salvaguardar a passagem de Assange rumo a porto ou aeroporto para que posso ingressar em território equatoriano.

Um movimento ousado seria o Equador tentar retirá-lo da Inglaterra com alguma manobra ilegal, mas que com certeza seria vista por parte da opinião pública como legítima.

Ponto pouco discutido é que para que se tenha na tese de perseguição americana usando a Suécia como Proxy credibilidade é preciso crer – e crer é a palavra chave aqui – que Julian não receberia um julgamento justo na Suécia. E vamos e convenhamos os escandinavos são conhecidos por muitas coisas, mas não por terem tribunais injustos e dados a perseguição política.

No meio tempo assuntos mais relevantes vão sendo obscurecidos pela situação do homem que se quer guardião da transparência. Uma dessas doces ironias da vida e das Relações Internacionais.

Comentários

Anônimo disse…
"E vamos e convenhamos os escandinavos são conhecidos por muitas coisas, mas não por terem tribunais injustos e dados a perseguição política."

Acontece que existem críticas de especalistas legais na Suécia acerca da conduta desse processo contra o Assange. Um deles é de uma ex-juíza. A outra posição crítica é de Sven-Erik Alhem.

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Bye, bye! O Brexit visto por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui) torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O original pode ser lido aqui , transcrito com autorização do autor tal qual o original. Bye, bye! Por Francisco Seixas da Costa O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar ...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...