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Eleições no Brasil: Pronunciamento de Sua Santidade Bento XVI ao episcopado brasileiro

Esse blog se ocupa de relações internacionais e como não poderia deixar de ser acaba por tratar de política e assuntos sociais, afinal Relações Internacionais faz parte do rol das ciências sociais. E não é preciso ser adepto de Huntington e seu ‘Choque de Civilizações” para compreender que a religião é um fator a ser levado em conta ao se observar os fenômenos internacionais.

No caso faço uma transcrição de uma fala do líder da Igreja Católica Apostólica Romana que não é só um líder espiritual de uma numerosa porção da humanidade, mas também um Chefe de Estado, já que a Santa Sé é assim reconhecida. Nessa carta o Papa aborda temas que se tornaram correntes ao longo desse período eleitoral do segundo turno.

Não são poucos os que acham um tanto acriticamente que o Estado Laico exclui os temas religiosos do debate público, principalmente no campo dos valores. Essa visão, no entanto não poderia ser mais equivocada e antidemocrática por pretender calar setores da opinião pública que tem o legitimo direito de opinar nos projetos nacionais. A religião em geral trata de princípios morais e esses pautam o entendimento que as pessoas têm do mundo.

É fácil e usual querer atribuir a pecha de fundamentalista a qualquer um que levante um óbice religioso e, portanto moral a alguma legislação ou ideal político. Se esquecem que essas questões por vezes dizem respeito a uma inquietação legitima e mais que uma democracia pressupões debates por posições, claro é preciso, como sabemos, preservar os direitos das minorias. Sem com isso se oprimir as maiorias, pois bem esse é um dos principais desafios de democracias plurais conviver com a multiplicidade de idéias. Nesse sentido é óbvio que um líder religioso é um agente político (o que não quer dizer partidário) quer queira, quer não. Aliás, como são agentes políticos os líderes de grupos que sempre estão em conflito declarado ou velado com os religiosos. Por exemplo, uma tentativa de alijar do debate político um líder de um grupo de direitos de homossexuais geraria uma comoção justa e necessária. Já a censura imposta pelo TSE há uma das subdivisões da CNBB é aplaudida. Sendo que lícita, diferente, por exemplo, de uso de dinheiro de imposto sindical em panfletos políticos.

Não quero embarcar aqui em coitadismos e nem dizer que há perseguição as religiões e ao direito humano (de primeira geração) de liberdade de culto. E sim para dizer o óbvio há por parte de setores da opinião pública de um viés anti-religioso, que quando não tenta se disfarçar como neutro, parte legítimo do jogo democrático.

Peço aos leitores que se sintam ofendidos ou incomodados por minhas palavras ou por estar eu a transcrever o Santo Padre, que antes de comentarem reflitam um pouco sobre suas críticas e que usem da tolerância que sempre estão a exigir dos religiosos em geral e dos católicos em particular. Transcrevo abaixo o pronunciamento do Papa Bento XVI, lembrando aos católicos a velha frase de Santo Agostinho: “Roma locuta, causa finita est”. Ou seja, quem sabe essas palavras do Santo Padre possam cessar o trabalho daqueles que tentam dividir a Igreja por dentro.


Amados Irmãos no Episcopado,

Para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo (2 Cor 1, 2). Desejo antes de mais nada agradecer a Deus pelo vosso zelo e dedicação a Cristo e à sua Igreja que cresce no Regional Nordeste 5. Lendo os vossos relatórios, pude dar-me conta dos problemas de caráter religioso e pastoral, além de humano e social, com que deveis medir-vos diariamente. O quadro geral tem as suas sombras, mas tem também sinais de esperança, como Dom Xavier Gilles acaba de referir na saudação que me dirigiu, dando livre curso aos sentimentos de todos vós e do vosso povo.

Como sabeis, nos sucessivos encontros com os diversos Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tenho sublinhado diferentes âmbitos e respectivos agentes do multiforme serviço evangelizador e pastoral da Igreja na vossa grande Nação; hoje, gostaria de falar-vos de como a Igreja, na sua missão de fecundar e fermentar a sociedade humana com o Evangelho, ensina ao homem a sua dignidade de filho de Deus e a sua vocação à união com todos os homens, das quais decorrem as exigências da justiça e da paz social, conforme à sabedoria divina.

Entretanto, o dever imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos fiéis leigos, que, como cidadãos livres e responsáveis, se empenham em contribuir para a reta configuração da vida social, no respeito da sua legítima autonomia e da ordem moral natural (cf. Deus caritas est, 29). O vosso dever como Bispos junto com o vosso clero é mediato, enquanto vos compete contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas (cf. GS, 76).

Ao formular esses juízos, os pastores devem levar em conta o valor absoluto daqueles preceitos morais negativos que declaram moralmente inaceitável a escolha de uma determinada ação intrinsecamente má e incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não pode ser resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, consequência ou circunstância. Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até a morte natural (cf. Christifideles laici, 38). Além disso no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático –que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana– é atraiçoado nas suas bases (cf. Evangelium vitæ, 74). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo (ibidem, 82).

Além disso, para melhor ajudar os leigos a viverem o seu empenho cristão e sóciopolítico de um modo unitário e coerente, é necessária –como vos disse em Aparecida– uma catequese social e uma adequada formação na doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o “Compêndio da Doutrina Social da Igreja” (Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 3). Isto significa também que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum (cf. GS, 75).

Neste ponto, política e fé se tocam. A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo que abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão. Com efeito, sem a correção oferecida pela religião até a razão pode tornar-se vítima de ambiguidades, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia, ou então aplicada de uma maneira parcial, sem ter em consideração plenamente a dignidade da pessoa humana (Viagem Apostólica ao Reino Unido, Encontro com as autoridades civis, 17-IX-2010).

Só respeitando, promovendo e ensinando incansavelmente a natureza transcendente da pessoa humana é que uma sociedade pode ser construída. Assim, Deus deve encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, econômica e particularmente política (Caritas in veritate, 56). Por isso, amados Irmãos, uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado.

Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito. Eles têm um valor particular, no caso do Brasil, em que a religião católica é parte integral da sua história. Como não pensar neste momento na imagem de Jesus Cristo com os braços estendidos sobre a baía da Guanabara que representa a hospitalidade e o amor com que o Brasil sempre soube abrir seus braços a homens e mulheres perseguidos e necessitados provenientes de todo o mundo? Foi nessa presença de Jesus na vida brasileira, que eles se integraram harmonicamente na sociedade, contribuindo ao enriquecimento da cultura, ao crescimento econômico e ao espírito de solidariedade e liberdade.

Amados Irmãos, confio à Mãe de Deus e nossa, invocada no Brasil sob o título de Nossa Senhora Aparecida, estes anseios da Igreja Católica na Terra de Santa Cruz e de todos os homens de boa vontade em defesa dos valores da vida humana e da sua transcendência, junto com as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens e mulheres da província eclesiástica do Maranhão. A todos coloco sob a Sua materna proteção, e a vós e ao vosso povo concedo a minha Benção Apostólica.

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