Francisco Seixas da Costa é
diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em
Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia
européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui)
torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões
sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o
autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura
dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O
original pode ser lido aqui,
transcrito com autorização do autor tal qual o original.
Bye, bye!
Por Francisco Seixas da Costa
O Brexit passou. Não vale a pena
chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque
as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e
específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além
da ilha. E se esse mal-estar não for combatido, isto é, se as lideranças
políticas não conseguirem definir rumos para encaminhar, de forma europeia e
ordenada, os interesses e as expetativas dos cidadão em cada país, aí sim, o
efeito deste referendo será viral, como a modernidade das redes sociais gosta
de dizer.
O Reino Unido foi, desde o
primeiro momento, um membro relutante das instituições europeias. Mesmo nos
tempos em que, de Londres, vinham mensagens mais otimistas, de Edward Heath a
Tony Blair, pressentia-se que isso era feito em contraponto com uma tendência
de fundo, que se revelava sempre mais do lado conservador, mas que também tinha
grande audiência no campo trabalhista. De "opt out" em "opt
out", o Reino Unido ia acumulando "vitórias" e
"exceções" que o distanciavam cada vez mais do centro do projeto
europeu. A necessidade obsessiva de mostrar-se vencedor nas disputas com
Bruxelas, criou uma espécie de contabilidade de ganhos que, dia a dia, se ia
tornando menos compatível com o espírito europeu.
A ideia, nunca verdadeiramente
contrariada pelos líderes britânicos, de que a raiz dos problemas nacionais
residia na burocracia de Bruxelas - como se essa burocracia não estivesse
fortemente infiltrada por britânicos e as suas decisões não contassem com o
voto poderoso de Londres -, levou-os a descuidar o mínimo de pedagogia em torno
de uma partilha de interesses comuns. O "No! No! No!" de Margareth
Thatcher nunca deixou de ecoar no subconsciente britânico.
Agora, há que gerir as coisas,
porque o que não tem remédio remediado está. Desde logo, tentar acalmar os
mercados, evitando o efeito "fogo na pradaria". Isso compete às
entidades bancárias de ambos os lados, somados à serenidade possível dos agentes
políticos. O ideal seria que a invocação do Artigo 50 do Tratado de Lisboa
pudesse ser feita com a normalidade possível, encetando o "phasing
out" britânico com o menor dramatismo que for viável assumir.
No que a Portugal toca, e dado
que muito do que pode afetar-nos, se as coisas correrem mal pela Europa, não
temos condições para influenciar e poder evitar, há que estar muito atento,
tendo a determinação política para deixar claro que nenhum grupo de Estados, da
Europa "que fica", se pode arrogar o direito de definir o futuro
coletivo, isto é, o dos outros. Este é o momento de ser firme, em especial se
alguma reformatação de "núcleos duros" ou coisas similares surgir por
aí.
Numa conjuntura como esta, nem
devemos ter tentações de recuos soberanistas, nem pulsões patetas para um
futuro federal que já não existe - e que apenas poderá surgir travestido de
diretório de potências armada em "salvar o projeto europeu". Por mim,
continuo a pensar que devemos ser tão europeístas quanto os nossos interesses o
justificarem. Nem mais nem menos. Andamos por aqui há nove séculos, já passámos
por momentos bem mais difíceis e, nem por isso, "fechámos para obras".
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