A gravidade do momento político e
econômico que o Brasil atravessa exige do cidadão contemplar alternativas e
avaliar os argumentos das diversas correntes de opinião, nesse afã publico aqui
com autorização expressa do autor um excelente texto sobre as narrativas em disputa
mais acirrada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula.
Creomar de Souza (professor do
curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília) é uma das
mais sensatas vozes desse país e um analista de uma serenidade ímpar. Leiam e
reflitam. Ainda há intelectuais em Brasília.
Sobre a política e suas
narrativas
Por Creomar de Souza
Escrevo este texto sob o impacto
imagético da entrada da Polícia Federal do Brasil na casa do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. O desdobramento da Operação Lava Jato em mais uma fase –
relembrando um antigo sucesso dos videogames – e em mais um batismo – de fazer
inveja a qualquer marqueteiro bem sucedido da Avenida Paulista – trazem à baila
a necessidade fundamental de refletira acerca do impacto dessas ações sobre a
imagem de Lula e os efeitos indiretos disto sobre os processos políticos e
eleitorais que se aproximam.
Essa tarefa, bastante árdua, é
necessária por dois motivos: o primeiro é o fato de que Lula representa uma
figura política sem paralelo na cena política brasileira contemporânea. O
segundo motivo, vinculado ao primeiro, reside na constrangedora realidade de
que não há outros nomes que efetivamente possam rivalizar com o ex-presidente
em termos de oferecimento de alternativas políticas para a sociedade.
Diante do impacto exposto
inicialmente, mas, sobremaneira, das inquietações intelectuais resultantes do
parágrafo anterior, faz-se inescapável uma reflexão acerca de quais serão os
possíveis impactos do dia de hoje (tome nota para contar aos netos: 04 de março
de 2016) sobre o cenário político brasileiro. Antes de tudo, vale mensurar um
elemento fundamental de qualquer percepção conceitual e teórica sobre processos
eleitorais: o eleitor mais importante é sempre o indeciso. Tal axioma, tem sua
base no fato de que são os indecisos ou swing voters - para aqueles
que apreciam os anglicismos - que permitem o desempate entre as correntes
militantes.
E neste aspecto em específico, é
um fato que Lula a partir de 2002 conseguiu construir uma narrativa política e
eleitoral que persuadiu parte considerável dos indecisos a seguirem um projeto
de país por ele defendido. Mesmo levando-se em consideração o desgaste deste
discurso diante dos equívocos ofertados a sociedade pela presidência de Roussef
– herdeira política de Lula, o ex-presidente conseguiu de maneira bem sucedida
colocar-se como um cabo eleitoral qualificado em vários momentos desde sua
saída da presidência.
O fato é que a narrativa foi se
desenvolvendo em dois discursos distintos: o primeiro emanado, sobremaneira,
por setores da mídia tentou construir o argumento de que estava em curso um
processo de aparelhamento político do Estado, e que somente instituições fortes
ou, em franco amadurecimento, – vide Polícia Federal e Ministério Público
Federal – teriam a capacidade de abortá-lo. O segundo discurso, por sua vez,
vende a ideia de que há uma campanha de desconstrução do Partido dos
Trabalhadores como opção política e que Lula, como sua principal figura, tem
sido colocado posto na linha de tiro a partir do momento em que as ações de
impeachment da presidente Roussef arrefeceram.
Não há nenhum interesse aqui de
defender qualquer um dois discursos, porém, faz importante pensar como cada um
dos mesmos se montou para os seus respectivos apoiadores, mas, sobretudo, aos
indecisos. Seguindo esta linha de análise, portanto, percebem-se na atual
conjuntura um elemento interessante acerca do primeiro discurso: o primeiro é o
fato de que este discurso não está ancorado nas lideranças políticas,
empresarias ou sindicais estabelecidas. Tal argumento mostra, de um lado, a
ausência de lideranças políticas oposicionistas que possam articular um
discurso de enfrentamento ao governo, porém, de outro lado, tornam-se mais
palatáveis ao indeciso, pelo simples fato de que ele alimenta um sentimento de
não participação política.
O que leva a uma reflexão sobre o
segundo argumento – a ideia de uma ação sistematizada de desconstrução do PT
como alternativa política. Fundamentalmente aqui, em termos de narrativa, há
uma necessidade de prestar contas ao militante histórico do partido. Tal
tarefa, torna-se facilitada pelo simples fato de que o militante –
independentemente da causa – é mais emocional que reflexivo. Porém, quando
colocamos o indeciso diante deste argumento, gera-se uma dificuldade do ponto
de vista intelectual para aceitação deste ponto de vista. E isso deriva-se,
basicamente, de dois elementos: o primeiro é o fato de que o ambiente social
marcado pela recessão econômica e vazio de liderança política aumenta o
afastamento entre o cidadão e os representantes. E o segundo elemento, derivado
do primeiro, a cada nova evidência levantada pelas instituições o argumento
precisa ser reconstruído.
Neste ponto da leitura, chega-se
a uma pergunta fundamental: Como a ação na casa do Presidente Lula pode
interferir nas narrativas construídas até agora? Ora, em um primeiro
aspecto, o ex-presidente pode a partir desta ação tentar reforçar uma imagem de
martírio, buscando uma polarização política e eleitoral via um discurso de “nós
contra eles”. Essa estratégia foi bem sucedida em sua reeleição e nos dois
pleitos eleitorais que resultaram na vitória de Roussef. Em contraponto, a ação
da Polícia Federal na casa de Luiz Inácio Lula da Silva, pode ser o início de
um processo que resultará na perda de tônus discursivo e eleitoral do ex-presidente
e do seu próprio partido, desde que a mídia e as próprias instituições
envolvidas sejam bem sucedidas na construção de um discurso que pontue que a
investigação tem motivação meramente criminal e não política.
Por fim, vale ponderar a máxima
de que quem controla a narrativa, controla os processos políticos e que neste
aspecto, visualizando as próximas eleições, tanto o governo, quanto a oposição,
necessitam urgentemente de uma reconstrução de seus discursos e das
alternativas que eles visam propor à sociedade. Vale ressaltar que, de maneira
efetiva, neste momento o jogo político está aberto, mesmo com o governo estando
acuado.
Comentários