Tenho consciência que por vezes sou crítico dos rumos da política externa brasileira, aliás, numa ocasião um comentarista num fórum de internet sugeriu que se eu quisesse reclamar dos rumos da política brasileira eu deveria ser ministro. Achei cômica a declaração, afinal, se preocupar e acompanhar as ações do governo e suas escolhas me parece principio fundamental da democracia. A esse principio de ficar de olho no governo se soma o fato d’eu ter formação na área.
O escrutínio dos objetivos da política externa é realmente algo que acontece muito marginalmente nas analises políticas brasileiras principalmente na grande imprensa, embora, tenha havido um crescimento desse tipo de análise. A pena é que as paixões diárias da política-partidária contaminem o debate, o que acaba por gerar comentários como o que citei acima.
Um dos aspectos dos objetivos da Política Externa brasileira que merecem um debate público informado e um diálogo permanente é a obsessão brasileira com uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O tema está sempre presente nas declarações dos chefes de estado do Brasil, como exemplifica esse trecho do discurso da presidente Dilma, na Assembléia Geral da ONU, em 2013.
Senhoras e senhores, senhor presidente,
O ano de 2015 marcará o 70º aniversário das Nações Unidas e o 10º da Cúpula Mundial de 2005. Será a ocasião para realizar a reforma urgente que pedimos desde aquela cúpula.
Impõe evitar a derrota coletiva que representaria chegar a 2015 sem um Conselho de Segurança capaz de exercer plenamente suas responsabilidades no mundo de hoje. É preocupante a limitada representação do Conselho de Segurança da ONU, face os novos desafios do século XXI.
Exemplos disso são a grande dificuldade de oferecer solução para o conflito sírio e a paralisia no tratamento da questão israelo-palestina. Em importantes temas, a recorrente polarização entre os membros permanentes gera imobilismo perigoso.
Urge dotar o Conselho de vozes ao mesmo tempo independentes e construtivas. Somente a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes, e a inclusão de países em desenvolvimento em ambas as categorias, permitirá sanar o atual déficit de representatividade e legitimidade do Conselho.
O que quase nunca é mencionado nesse debate é que ser um membro do Conselho de Segurança da ONU, significa sempre se envolver em todas as questões de segurança global, é ter que romper o não-alinhamento tradicional do Brasil é acima de tudo um compromisso de engajamento que fatalmente cobra o preço em Sangue e Tesouro. Como nos mostra o prolongado e custoso papel brasileiro no Haiti e os soldados que perderam suas vidas durante o terremoto. (Sei que insisto nisso, mas maior engajamento necessariamente acaba por colocar mais soldados brasileiros em caminhos perigosos, o que é uma decisão sempre muito grave).
O ex-chanceler mexicano e sempre agudo observador da política externa na América Latina, Jorge Castañeda em uma conversa entre especialistas, patrocinada pela New America Foudation foi direto ao ponto ao vaticinar:
“In my view, Brazil is not ready to play a constructive role on the world stage. As I wrote two years ago in Foreign Affairs, it is not ready for prime time, because on the major multilateral issues of the day – human rights, climate change, non-proliferation, trade, collective defense of democracy – it remains stuck between its old-fashioned, Third World, Non-Aligned, anti-interventionist stance, and the inevitable responsibilities of even a regional power, let alone an international actor. Why does it want to become a permanent member of the UN Security Council, if when it occupies a non-permanent slot, it frequently abstains on the main issues of the day (the decision to intervene in Libya being a recent notorious case in point)?”
É claro que a fala de Castañeda é impregnada pela posição mexicana e as aspirações daquele país, mas ainda assim ele faz uma observação interessante sobre as mudanças de política que um papel ativo de liderança exigiria do Brasil.
O Brasil, contudo, possui uma boa oportunidade de demonstrar liderança no debate sobre governança da internet, ainda mais depois que espionagem da NSA acabou aproximando a posição brasileira com a alemã, que por sinal é outro postulante a assento permanente na CSNU. Como colocou Oliver Stuenkel no BrasilPost:
Em setembro de 2013, Dilma Rousseff tomou a iniciativa e colocou o Brasil no centro do debate sobre o futuro da governança da internet. Isto é um indicativo do crescente interesse brasileiro em desempenhar um papel chave nas relações internacionais. Ao mesmo tempo, a apresentação de Dilma elevou consideravelmente as expectativas globais. Em abril, o governo organizará uma conferência que envolverá governos nacionais, bem como representantes da indústria, da sociedade civil e representantes da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN), que atualmente supervisiona aspectos de governança na Internet, como os endereços IP. Em São Paulo, o debate girará em torno das novas regras globais de privacidade na era digital. Tais debates podem fortalecer aqueles que desejam retirar a gestão da internet da ICANN e colocá-la nas mãos da União Internacional de Telecomunicações (UIT), onde seria ainda mais suscetível à manipulação nacional.
A credibilidade do Brasil como um ator global dependerá de sua capacidade de cumprir tais promessas e de fazer uma contribuição significativa neste debate altamente complexo. Como era o caso durante debate sobre Responsabilidade ao Proteger, a tentativa brasileira de agir como um definidor de agenda pode ter sido útil para gerar um vislumbre do que o Brasil é capaz de fazer em escala global. Entre 2011 e 2012, apesar do limitado hard powerbrasileiro, o país exerceu temporariamente a liderança no debate sobre intervenção humanitária. Assim como naquela época, o Brasil terá que se preparar para um debate acirrado, uma vez que provavelmente receberá críticas de todos os lados.
Com tantos objetivos e compromissos sendo assumidos em nome dos cidadãos brasileiros não custa ficar de olho, debater e até mesmo discordar do governo, afinal somos uma democracia.
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