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Dia de Malala no Paquistão e os Talibãs da incompetência no Brasil

Malala

Qualquer pessoa minimante informada sobre os acontecimentos internacionais já ouviu falar da jovem Malala Yousafzai, a adolescente paquistanesa que é ativista pela educação das meninas de seu país, que foi alvejada por um terrorista covarde talibã e agora com apenas 15 anos luta pela vida em um hospital londrino.

Não há relativismo cultural no mundo que justifique que a luta pela educação feminina seja uma ofensa capital, não imagino uma pessoa normal que possa defender tal postura, só mesmo a mente deturpada de um radical pode concatenar vil ato. O atentado causou tamanha ojeriza que outras alas talibãs decretaram que o atirador responsável deve ser executado (resisto a escrever abatido). Normalmente não escrevo textos tão enfáticos, mas neutralidade nesse caso é uma espécie de aquiescência com esse ato que deve ser sempre repudiado e denunciado.

Hoje, 10 de novembro, o governo paquistanês realiza o Dia de Malala, esse dia, é claro, tanto serve para repudiar o ataque e reforçar a campanha para que as meninas tenham acesso a educação e sejam estimuladas por seus pais, como serve para que o governo paquistanês demonstre ao mundo que sua sociedade não é composta só de talibãs e que é de fato uma sociedade complexa com múltiplas correntes de opinião.

(Convido meus leitores a pesquisarem os projetos de Malala e inspirados por ela, que agora são espalhadas por outras províncias paquistanesas e o Google ta ai para nos ajudar nisso.)

Por um acaso, me deparei com os mais recentes desenvolvimentos da história de Isadora Faber, a garota catarinense que por meio do Facebook expõe as fragilidades da sua escola pública e dá seu olhar singular sobre os eventos em sala da aula.

Isadora Faber Desde a primeira vez que ouvi falar no Diário de Classe tive duas certezas: que essa página ficaria famosa e que as represálias seriam pesadas e viriam de colegas e professores. Afinal, os acomodados, incompetentes, ineptos em geral detestam a publicidade. Na página a menina que compartilha sua visão dos fatos de modo corajoso e público, afinal, ela poderia ser uma anônima, mas dá a cara pra bater, aliás, essa metáfora está tragicamente perto de ser uma descrição factual, afinal até o Ministério Público estadual se envolveu para investigar as supostas ameaças e o apedrejamento da casa da família da jovem.

Não vou me arriscar em psicologismo barato e discorrer sobre a inveja que a notoriedade do Diário de Classe desperta em alguns dos colegas da menina, não nego que deve ser um fator, mas não tenho credenciais para enveredar nesse rumo.

Os textos do Diário de Classe, não são particularmente bem redigidos são apenas coletâneas de momentos vividos pela menina no dia-a-dia de sua escola e nesse sentido não são corrosivos, irônicos, ofensivos ou agressivos. Ela retrata uma escola normal, em que há tensão entre alunos “bagunceiros” e estudiosos, em que professores têm preferidos e outros que perseguem. Uma realidade que todos nós já vivemos em sala de aula.

A Isadora tem preferência por postar fotos do cardápio e das refeições da escola e isso tem um potencial problemático, por que a correlação entre o que é oferecido aos estudantes e o que o poder público paga pode conter alguma anormalidade. Chega a ser triste ler os comentários que dizem que o lanche está bom demais e ironizam a menina, mas que não procuram saber se correspondem ao orçamento da chamada “merenda escolar”. Não estou acusando ninguém de nada, que fique claro, apenas mostro como a página tem um potencial de controle social do orçamento público que é desconfortável para os políticos e burocratas.

Há um quê de muito ridículo quando adultos, professores, com formação superior se juntam para circular um manifesto que objetiva “um outro olhar” para refutar uma menina.

Pouco importa se há concordância ou não com o que escreve a menina, ela não pode ser alvo de intimidação para cessar de escrever, não quero viver num Brasil em que a página na internet de uma menina de 13 anos seja alvo de uma “fatwa” dos talibãs do comodismo, do status quo e da incompetência.

Quem diria que com tantas diferenças entre Brasil e Paquistão estaríamos unidos pelo radicalismo contra meninas que querem mais educação?

Comentários

Só Hugo disse…
Concordo 100%. E acrescento que fiquei extremamente surpreso com a relação dos meus pares à página no Facebook.
Como professor universitário, vivia a ilusão de que meus colegas viveriam o que pregam. Quando comentei sobre a Isadora Faber, imaginei que haveria um certo coro de aprovação. Definitivamente não foi o que vi.
Vi pessoas ficarem revoltadas, indignadas, com a ação de uma "menina" (utilizaram a idade e o gênero - mesmo as mulheres - como uma tentativa de minimizar o argumento dela) que, de acordo com eles, retirava o poder do professor em sala de aula, que judicializava a sala de aula.
Mesmo quando apontei a importância da participação popular e do uso dos meios de comunicação para realizar uma cobrança da qualidade dos serviços públicos, que - na verdade - eles deveriam fazer o mesmo e em maior grau, pois são professores.
Acabei sendo taxado de infantil, por defender a participação de uma criança na cobrança de uma maior qualidade na prestação de serviços públicos.
Espero que no futuro essa menina esteja integrando as fileiras do MP e que não se corrompa com o passar do tempo. Espero que outros sigam o exemplo.

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