Pular para o conteúdo principal

Uma tortuosa introdução e uma breve provocação

Um blog é um espaço em que seu autor pode pelo meio do incrível e libertador poder da auto-publicação escrever apenas sobre temas que ele quer. Admito que uma das mais reiteradas críticas que são feitas a essa página procede que é o fato d’eu escrever tanto sobre a Política Externa Brasileira, PEB para os íntimos. Acontece que uma das coisas que mais despertam minha atenção são as coisas do Brasil. Afinal, sou um patriota ou assim gosto de pensar que sou, ainda que não seja ufanista e tampouco nacionalista, aliás tenho uma birra, uma aversão ao patriotismo primário que se manifesta no “fígado”.

Por me interessar pelos destinos da ação externa do país do qual sou cidadão e eleitor acabo por buscar refletir sobre várias facetas da sua atuação externa. Certa feita, durante um debate sobre um tema urgente da agenda diária da PEB, li de um debatedor que eu não deveria me arrogar o papel de dizer o que deveria ou não um Ministro de Estado fazer. Lembro-me de achar a assertiva curiosa por que sugeria que meu papel seria criar justificações que servissem de suporte para as políticas governamentais – e aqui cabe mencionar que boa parte dos acadêmicos de nosso campo se dedicam lamentavelmente a isso, como bem nos demonstra qualquer levantamento bibliográfico – e mais ficou claro, que para ele ser independente ou mesmo cético quanto as políticas de governo seria ser opositor.

É claro, que por vezes tenho uma verve provocadora em debates virtuais que acaba por contribuir para esse tipo de pensamento (que um famoso blogueiro chamaria de raciossímio) e como já levo essa pecha me permitirei uma provocação ao poucos leitores que até aqui agüentaram esse tortuoso texto.

As pessoas – estudantes e docentes em sua maioria – que se querem ativistas e politicamente engajadas costumam sustentar posturas que chamam de antiimperialistas e assim denunciam qualquer aliança que os EUA possua (sempre usando a expressão estadunidense*) e chamam sempre atenção para a vergonhosa aliança desse país com ditadores, como as monarquias do Golfo, por exemplo. Mas, esses humanistas de marca maior como justificam o seu entusiasmo com as alianças brasileiras com governos claramente despóticos como Cuba e China? Ou proto-ditatoriais como a Rússia?

Seria a importância estratégica para a consecução dos interesses nacionais justificativa para esse ‘dupli-pensar’ (se você não entendeu, leia Orwell, urgente), nesse caso não seria nossa política externa cosmopolita, independente e de ênfase sul-sul exatamente igual a de uma potência ‘branca e de olhos azuis’, ainda que presidida por um negro?

__________________

*A esse respeito escrevi o texto “A autodenominação”.

Comentários

Vc escreve muito bem, caro amigo Mario Machado.
So consegue escver bem quem pensa bem.
Conclusao: vc pensa muito bem!
Paulo Roberto de Almeida

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Bye, bye! O Brexit visto por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui) torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O original pode ser lido aqui , transcrito com autorização do autor tal qual o original. Bye, bye! Por Francisco Seixas da Costa O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar ...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...