Imagens chocantes de uma briga de torcidas na mediterrânea cidade de Port Said, no Egito, começaram a nos bombardear na tarde do dia primeiro de fevereiro. As cenas de violência explícita e estúpida além de horror nos produzem uma nefasta sensação de Déjà vu. Afinal, brigas, invasões de campo e enfrentamentos com a polícia são imagens comuns nos noticiários brasileiros e do mundo todo, por sinal. Contudo, não me lembro de evento semelhante no Brasil que tenha ceifado 74 vidas.
O confronto ocorreu quando torcedores do clube local, Al-Masry invadiram o campo para agredir a torcida e os jogadores do Al-Ahly, do Cairo e uma das equipes com mais torcedores no Egito.
Esse conflito, contudo, possui uma clara dimensão política já que as torcidas organizadas foram instrumentais na revolta que depôs Mubarak, quase um ano atrás, as organizadas do Al-Ahly foram segundo relatos bastante ativas nos confrontos com a polícia durante os conturbados dias de ocupação da, hoje famosa, Praça Tahrir.
É claro que essa ligação com a revolução alimenta os rumores de que a polícia local que fora importante esteio do regime de Mubarak, tenha sido omissa no conflito como uma forma de vingança. E as imagens mostram dezenas de polícia de choque inertes enquanto a confusão se desencadeava. Policiais, é preciso ressaltar, que têm experiência no enfrentamento de torcidas organizadas.
O porta-voz das organizadas acusa a junta militar de tentar puni-los e executá-los por sua participação na revolução e prometem uma nova guerra para defendê-la. Um claro indicativo que a situação permanece tensa e há um risco elevado de retaliação.
Essa briga ocorre no momento em que se tenta relaxar as provisões do estado de emergência que há décadas está em vigor no Egito, nesse sentido podemos esperar que seja instrumentalizada por todas as forças envolvidas. Por enquanto, esse incidente já resultou nas renuncias do governador e do chefe de polícia de Port Said.
A história da Guerra do Bálcãs nos ensina quão perigoso é a mistura de torcidas organizadas e política. Por sinal o envolvimento das organizadas foi tão intimo com as forças ligadas as forças étnicas que desencadearam a guerra que um jornal chegou a ironizar, parafraseando Clawzevitz ao dizer que: “A guerra Servo-Croata foi a continuação da liga iugoslava de futebol por meios militares” (SIMON, Jos. Frommer's Croatia with Your Family: From Idyllic Islands to Medieval Towns. p. 53).
Essa hipérbole usada pelo jornalista pra resumir, com um claro amargor, a participação dos torcedores organizados mais fanáticos na Guerra do Bálcãs se deve ao fato da paixão clubistica (neologismo usado na imprensa esportiva) ter passado a significar filiação étnica já que os clubes representavam sérvios e croatas mesmo sob o regime comunista iugoslavo.
Tanto que quando as hostilidades étnicas começaram a surgir houve uma détente entre as torcidas de mesmo grupo que passaram a focar nas de etnia distinta. Na verdade membros das torcidas dos clubes croatas Hajduk and Dinamo foram recrutados em massa para formarem o exército croata que enfrentava as forças sérvias devidamente reforçadas por fileiras de hooligans torcedores do Partizan e do Estrela Vermelha.
Não há como não se lembrar dos confrontos no Estádio Makisimir, em 13 de maio de 1991 que opuseram a polícia de choque composta por sérvios e torcedores da organizada do Estrela Vermelha, Delije (torcida organizada convertida em milícia mais tarde) aos torcedores croatas do Dínamo de Zagreb. O chefe da organizada Delije, Željko Ražnatović (visto na foto ao lado segurando um filhote de tigre) foi assassinado no ano 2000, antes do julgamento pelo Tribunal Penal Internacionais para Antiga Iugosláviaque o condenou por crimes de guerra . O que serve para ilustrar bem a nefasta confluência entre hooligans e extremismo político.
Também há um movimento de uso da força bruta das Organizadas para fins políticos na Argentina onde as “Barras Bravas” (como são conhecidas as organizadas no país platino) dos diversos clubes se juntaram numa organização conhecida como “Hinchadas Unidas Argentinas”. Que nasceu Kirchenerista e de fato tem membros seus envolvidos em episódios obscuros como a invasão do jornal “El Clarin”, além de participarem ativamente das campanhas políticas ostentando faixas de apoio a candidatos, em especial ao Casal Kirchener como evidencia a foto abaixo.
Esse precedente balcânico tenebroso torna ainda mais delicado o olhar sobre o que ocorreu ontem no Egito e é um alerta importante para a gravidade das brigas de torcida em um contexto político polarizado e em que as autoridades de segurança públicas não só não têm legitimidade e são vistos como defensores do antigo regime. E é um exemplo dramático que enfrentam os países em que se desenrola a chamada “Primavera Árabe”.
Comentários