Pular para o conteúdo principal

Confusão em Hormuz

Pelo menos desde 2009 que os meios especializados em geopolítica e analise estratégica militar apontam que a “real capacidade nuclear do Irã”* é sua capacidade de fechar o estreito de Hormuz.

Pelo estreito de Hormuz que separa o Golfo Pérsico do Mar da Arábia circulam 40% de todo o trafego de petroleiros do mundo, o que corresponde a algo como 90% do petróleo produzido no golfo.

Ao ler a primeira noticia sobre as ameaças iranianas de fechar o estreito caso uma nova rodada de sanções fosse aprovada contra esse país, no esteio de seus exercícios militares no referido acidente geográfico a primeira coisa que passou pela minha cabeça creio que foi a que a maioria dos que tem algum conhecimento de onde fica o estreito, ou seja, agora sim o preço do barril de petróleo chega nos 300 USD. Seria pensar nisso mesquinho?**

De fato são as conseqüências econômicas de um bloqueio nessa região o grande trunfo estratégico do Irã e por isso do uso da expressão “Real capacidade nuclear”, por que no atual contexto de crise grave na Europa, recuperação lenta nos EUA e desaceleração na China um aumento considerável no petróleo geraria conseqüências econômicas graves para todo o planeta e não tenham dúvidas os BRIC também seriam atingidos brutalmente, basta lembrarmos-nos do impacto dos choques do petróleo para que tenhamos um parâmetro das dificuldades a frente.

Há muito que um jogo geopolítico grave está desenhado no golfo pérsico um jogo que opõe duas potencias regionais aspirantes a potencia dominante nesse subsistema de poder, os dois atores que buscam essa supremacia são Irã e Arábia Saudita. Duas autocracias que derivam grande parte da sua sustentação dos setores religiosos mais conservadores e avessos a modernizações, que, contudo possuem interpretações religiosas conflitantes agravadas por afiliações sectárias e étnicas que acabam por concorrer para um estado de tensão permanente entre esses atores.

Essa rivalidade é uma das principais razões do peso estratégico que as monarquias autocráticas dão a aliança com os EUA e também explica –é claro, junto com todo o contexto de Guerra Fria – a aliança de um estado teocrático como o Irã com a extinta URSS.

O poderio que a superpotência restante mantém no Golfo é segundo analistas militares capaz de derrotar as forças navais do Irã, contudo isso seria a deflagração de um perigoso conflito numa região já bastante desestabilizada tanto por aventuras militares norte-americanas, como pelos ventos da chamada “Primavera Árabe”. Uma pergunta, então é inescapável por que o Irã sinalizou essa opção tão arriscada, que é o bloqueio do Estreito de Hormuz?

Consigo vislumbrar algumas possíveis respostas para essa pergunta. A mais óbvia é que o Irã está a demonstrar a melhoria de seus meios de combate, em especial de sua capacidade de operação de submarinos, afinal uma operação de bloqueio dependeria desses vetores e do emprego de mísseis. O teste de mísseis realizado hoje corrobora essa hipótese.

Em conjunto a operação serve ao público interno ao reforçar o caráter desafiador da revolução iraniana e ao demonstrar que esse espírito ainda alimenta a liderança política e militar. E pode servir para desviar atenção para os problemas internos, além dos aludidos problemas políticos e disputa de poder no seio do governo desta teocracia.

Terceira possibilidade que passa pela minha cabeça é uma saída a la Coréia do Norte, ou seja, vender um cenário de complicação e dificuldade para forçar uma negociação em termos mais vantajosos, ainda mais depois que a invasão da Embaixada Britânica, em Teerã. Essa estratégia ainda tem o beneficio adicional de excitar os “apoiadores” do Irã nas redes sociais que se regozijam com o suposto ato de desafio contra os “estadunidenses” (sic) e os sionistas.

É bem provável que os cálculos políticos do Irã misturem todos esse objetivos relatados acima e outros que ainda não vislumbrei. O que se pode afirmar com tranqüilidade é que sinalizar o bloqueio é um passo ousado por parte do Irã, de difícil implementação e que expões os ativos navais iranianos a grande risco.

E como sempre vou salientar que o calor dos acontecimentos não é bom conselheiro e versões oficiais não podem ser aceitas pelo valor de face. E, como sempre, também, busquem informação e formem sua opinião sobre o assunto.

Feliz Ano Novo a todos!

_______________________

*Termo de uso comum na publicação especializada STRTFOR, por exemplo.

**Longa, infrutífera e inútil discussão no Facebook.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Sobre a política e suas narrativas por Creomar de Souza

A gravidade do momento político e econômico que o Brasil atravessa exige do cidadão contemplar alternativas e avaliar os argumentos das diversas correntes de opinião, nesse afã publico aqui com autorização expressa do autor um excelente texto sobre as narrativas em disputa mais acirrada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula. Creomar de Souza (professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília) é uma das mais sensatas vozes desse país e um analista de uma serenidade ímpar. Leiam e reflitam. Ainda há intelectuais em Brasília. Sobre a política e suas narrativas Por Creomar de Souza Escrevo este texto sob o impacto imagético da entrada da Polícia Federal do Brasil na casa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O desdobramento da Operação Lava Jato em mais uma fase – relembrando um antigo sucesso dos videogames – e em mais um batismo – de fazer inveja a qualquer marqueteiro bem sucedido da Avenida Paulista – trazem à bai...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...