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99%?

Nesse sábado passado, dia 15 de outubro, o movimento Occupy Wall Street recebeu solidariedade global de vários grupos que embora não filiados formalmente comungam do mesmo ideário anticapitalista dos ocupantes nova-iorquinos.

Do ponto de vista da teoria das relações internacionais o evento foi mais um exemplo de como grupos de opinião pública se organizam de maneira trasnfronteiriça para influenciar temas da agenda internacional. E, mais uma vez corroboram a importância crescente dos atores não-estatais na formulação da agenda internacional e dos regimes internacionais.

É claro que esses grupos não desenvolvem uma política externa própria, não possuem o aparato formal e nem as bases de poder para isso, mas se concentram em influenciar os tomadores de decisão, tanto pela via tradicional nas democracias que é o voto, como pela pressão da opinião pública, de certo modo parece ser uma evolução da tática normal desses grupos de concentrarem suas ações quando ocorre algum tipo de reunião de cúpula. Claro, depois de Seattle qualquer cidade que realiza um encontro desses prepara um esquema de segurança que torna difícil que as pressões das manifestações influenciem os rumos do debate.

Não é novidade para meu leitor assíduo que sou adepto de uma esquemática de análise das relações internacionais que tenta determinar o grau de influência de qualquer ator do sistema internacional a partir dos elos e laços que ele possui e da sua capacidade de influir no comportamento dos demais atores. Nesse sentido ainda é cedo para saber o grau exato de influência da agenda dos ocupantes no cenário internacional, mesmo por que é preciso dizer grande parte dessa agenda é difusa (algumas demandas chegam a ser caricatas) e, além disso, já encontra voz nos lideres de linhagem mais esquerdista.

Será interessante observar se os ocupantes terão capacidade de empurrar os governos diversos a fecharem acordos internacionais que sejam agradáveis as idéias de controle de capital financeiro que estão no cerne dos protestos. Contudo, a priori não vejo essas manifestações como sendo capazes de influenciar dessa maneira a agenda dos líderes políticos.

Deixando um pouco de lado as elucubrações sobre impactos internacionais desses movimentos vou me ater a um ponto que tem chamando muito minha atenção nesses manifestantes. Eles têm se arrogado como representantes da maioria contra o que vêem como privilégios da minoria de 1% dos mais ricos.

A argumentação é muito sedutora nesse sentido, afinal é fato que existe uma concentração de renda elevada, é fato que é injusto que a classe média seja taxada pesadamente e investidores financeiros recebam alíquotas generosas de imposto.

Mas, as soluções propostas por esses indivíduos estão longe de representar um consenso da maioria e não gosto especialmente do maniqueísmo presente em algumas manifestações que li de que discordar deles é fazer parte ou querer proteger a minoria de 1% de multimilionários.

O grupo se vale da poderosa mística de que são perseguidos pela mídia que controlada pelos poderosos quer abafar o evento. É uma tática poderosa para ganhar simpatia da opinião pública esse tipo de argumento e é usado em todos os campos, posso citar aqui, por exemplo, dois treinadores de futebol que são mestres em motivar seus jogadores criando a idéia de que são perseguidos pela mídia.

Essa tática é eficaz não só por motivar os militantes da causa, a audiência interna , ela é efetiva para pautar a própria imprensa que passa a cobrir o evento com grande atenção e simpatia a causa para provar que não está perseguindo o grupo, além de que caso a imprensa ressalte aspectos negativos desses movimentos eles podem apenas reforçar a assertiva inicial de perseguição. Claro, há limites nessa estratégia, contudo, ela funciona muito bem, ainda mais por que a audiência desse tipo de causa é por natureza desconfiada da imprensa.

Chamo aqui atenção do meu leitor para que analise a questão com muito cuidado, a maior parte dos especialistas universitários chamados é pessoalmente muito simpática ao movimento quando não estão engajados em atividades similares isso torna muitas análises parciais – e quero crer que não seja por má-fé – e pouco rigorosas.

Rigor, que por sinal, nunca faltou ao avaliar outro movimento grassroots que também acredita que os mecanismos de governança estão exauridos, que também se revoltou com o uso maciço de dinheiro público no resgate de grandes bancos, movimento que também reage ao desemprego, perdas de casas, etc, um grupo que também foi às ruas de forma pacifica protestar, que, contudo não consegue obter de grande parte da imprensa americana e internacional a mesma simpatia com que vêem os ocupantes, falo é claro do Tea Party. E claro que há meios de comunicação que lhes são favoráveis, em menor numero do que os antagonistas.

A grande diferença dos dois grupos além da óbvia distinção ideológica está na práxis o Tea Party buscou a influência pela via eleitoral e se organizou rapidamente para conseguir doações de campanha e eleger seus representantes, se tornaram muito rapidamente uma força a ser lidada no cenário político-eleitoral. É claro que esse movimento republicano conservador animado pela sua expansão de influencia e por vitórias sucessivas é bastante intransigente, mas é preciso se lembrar seus membros foram eleitos prometendo justamente isso.

Creio ser ilusório acreditar que o Occupy Wall Street representa uma inovação na forma de fazer política que surge para incluir a maioria alijada do processo decisório que foi cooptado por multimilionários sem face. Esse é um movimento político que como todo movimento dessa natureza terá que cedo ou tarde ser testado nas urnas, tanto é que figuras importantes do partido democrata têm se aproximado do movimento sejam políticos e filiados seja aqueles que são ligados por laços de preferência como o cineasta Michael Moore. Não se trata de instrumentalizar os manifestantes e transformar o movimento num movimento partidário como o Tea Party é muito uma estratégia que visa reforçar para os ocupantes que só entre os democratas eles encontram quem os reconheça, os ouça, não é a toa que os especialistas dizem que o grande objetivo do movimento é ser visto, reconhecido e aceito.

Claro que os anticapitalistas e altermundistas mais radicais serão refratários a isso, mas esse grupo não obstante o barulho que faz é minoritário e só se satisfaz com medidas antisistemicas.

O Occupy Wall Street, como os indignados europeus representam uma parcela considerável sim da opinião pública e tem o direito democrático de se expressarem, de se juntarem em assembléias pacificas e de peticionarem o poder público, mas tem também que aceitar algo inexorável eles não representam a totalidade dos 99%.

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