Aos sábados tenho por hábito transcrever textos que creio servem para induzir a reflexão. Essa semana o texto selecionado para essa seção é um episódio da vida diplomática narrado em um ritmo agradável que denota um apurado senso literário de seu autor, o embaixador português em França (como dizem daquele lado do Atlântico) Francisco Seixas da Costa que tive a honra de ser apresentado (de certo não serei lembrado por ele que deve ser apresentado a centenas de pessoas em cada função social oficial vide o primeiro comentário a esse texto) numa recepção da Embaixada de Portugal, em Brasília, quando eu ainda residia nessa capital e ele chefiava aquela missão (2005 – 2008). O texto foi retirado do famoso blog do embaixador – duas ou três coisas – e narra como em um cenário político cada vez menos cioso de suas obrigações o decoro pode escandalizar. (transcrevo tal qual o original).
Tinham sido longas horas, primeiro de avião, depois em viaturas militares, neste caso rodeados de forte segurança. O ministro estava de passagem naquela região do mundo. Aproveitando essa casual circunstância, o governo decidira destacá-lo para o representar na cerimónia de homenagem a militares portugueses, mortos durante uma missão no estrangeiro. Ainda que tal tivesse ocorrido num acidente, isso não diminuía o valor do seu sacrifício e a necessidade de o sublinhar da forma mais solene.
Via-se que o ministro estava genuinamente comovido, quando, depois de visitar e falar com os feridos, se deslocou ao local onde estavam os caixões, cobertos com a bandeira nacional. Teve então lugar a cerimónia do "minuto de silêncio". Quando o governante estacou e se perfilou frente a eles, os militares à sua volta fizeram, de imediato, a continência devida.
O ministro deixou-se ficar, num respeitoso recolhimento, um minuto. E, depois desse, outros minutos mais. Protocolarmente, a partir de certa altura, o tempo de expressão de respeito começou a "soar" como excessivo. A maioria do militares, muitos estrangeiros, foram "deixando cair" a continência, mantendo, contudo, a postura de sentido. Um acompanhante do ministro, notando o que poderia ser considerado um exagero no prolongamento do ato protocolar, deixou, baixo, uma palavra ao governante, do tipo: "Senhor ministro, acho que já podemos ir indo..." O homem, porém, não se desformalizava. E só ao fim de um silêncio longuíssimo, de vários minutos, se decidiu a sair de cena.
Na viagem de regresso, o colaborador, simultaneamente para justificar a observação feita e para tentar perceber a razão justificativa da longa pose protocolar do governante, inquiriu, discretamente, por que este não se limitara ao tradicional minuto de silêncio. A resposta do ministro foi esclarecedora: "Então você acha que eu vinha de longe, depois de tantas horas de viagem, e me limitava a ficar ali só um minuto?"
Bem visto!
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Francisco Seixas da Costa