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O céu, as pessoas, o lago, as quadras e ficar “de baixo do bloco”

Quem for de Brasília ao ler isso se identificou com esse título que é uma ode a Brasília cidade, a Brasília humana, daqueles que trabalham nos monumentos, daqueles que dão vida a cidade, dos meus amigos, dos meus conterrâneos, é também a síntese de quase tudo que tenho saudade em minha terra.

Ser brasiliense é ser brasileiro por excelência (como acontece em São Paulo), afinal é uma cidade que por vocação atraiu e continua a atrair gente de todos os estados é uma cidade que integra bem esses grupos distintos. No limite do humano por que seres humanos carregam sentimentos negativos. É da vida!

Sabe a infância que eu tive em Brasília, conjugou viver numa capital, isto é, ter acesso a bens culturais e as lições da vida numa cidade grande com a liberdade de viver no interior, de poder correr livre debaixo do bloco (no espaço livre dos pilotis tão típicos de Brasília), do sentimento de identificação que o bloco nos dava. Eu sempre serei o Mário do bloco A da quadra 911 do Cruzeiro Novo, ainda que tenha tido outros endereços na capital. A significação disso era grande entre os meninos e meninas, a quadra gerava amigos pela solidariedade de dividir aquele espaço geográfico, e gerava antipatias das quadras rivais.

Lembro com muito saudosismo dos “jogos contra” que disputávamos com outras quadras eram clássicos de rivalidade. O curioso é que toda a animosidade, que por vezes descambava no fenômeno comum da capital que são as brigas de gangues, arrefecia quando fora da região, ou seja, na presença de moradores da outra região, os blocos e quadras se uniam, que metáfora perfeita do funcionamento de sociedades complexas.

Como disse acima cresci no Cruzeiro Novo (SHCE/S é como é conhecido no cifrado sistema de nomenclatura da capital) a mais carioca das cidades-satélites brasilienses, não a toa a escola de samba (sim há samba na capital) local a ARUC é uma das maiores campeãs do carnaval candango, senão a maior.

Não posso reclamar, foi uma infância muito rica em experiências, amizades e diversão. Apesar de um traço comum ao brasiliense que é compartimentar suas amizades seguindo a lógica da geografia urbana, assim eu tinha meus amigos do bloco, da quadra, das quadras ao lado (esses grupos por vezes se sobrepunham), amigos da escola, amigos do meu time de basquete (fui jogador federado dos 10 aos 17 anos), das peladas no parque, das peladas nas “três quadras” (aqui só mesmo quem é do cruzeiro vai entender, sinto).

A adolescência é uma etapa complexa em que as rivalidades que falei acima podem degenerar rapidamente e não posso tapar o sol com a peneira há uma cultura de violência na juventude do DF, que parece gostar de arrumar confusão em shows. Embora, atos de violência estúpida ocorram em todo país, há uma inegável repercussão quando isso ocorre na capital federal, talvez pelo extremismo chocante e abjeto de atos passados, que pairam sobre todos os jovens da capital como uma condenação a priori.  

Mas, quando se ama um lugar, como os cidadãos de Brasília amam sua cidade, se quer superar essas dificuldades. E há esforços nesse sentido, mesmo por que os casos extremos chocaram verdadeiramente, o triste episódio do índio pataxó, que foi morto em uma parada de ônibus que eu freqüentava, sempre me assombrou.

Atualmente, vivo no interior de Minas Gerais e sinto falta da minha cidade, sinto falta de dirigir pelas vias da capital, dos bares, de navegar com facilidade pela precisão cartográfica da orientação pelos eixos, eixinhos, entre-quadras, que tanto dificulta a vida dos recém-chegados e que é natural e prático para os locais.

Se você conhece Brasília por ir a trabalho, se hospedando no Setor Hoteleiro, você realmente a achará fria, mas caso você tenha amigos lá sua experiência pode mudar drasticamente. Por que você conhecerá as histórias de cada um que os relaciona aos locais, como, por exemplo, os grupos de amigos que vão para a Praça dos Três Poderes, tomarem vinho e tocarem rock no violão, ou um pagode completo. Ah como eu tenho histórias nesse espaço!

A cidade, meus leitores, vai além do Plano Piloto, pulsa vida, também, nas satélites como Taguatinga (que hospeda um dos campi da Universidade Católica de Brasília, o que abriga as graduações), como o Núcleo Bandeirante e sua feira famosa, como o Guará, enfim não duvidem é uma cidade completamente distinta de qualquer outra que você já viu, mas é absolutamente ordinária. Com espaços de convivência, que podem ser diferentes, mas que na essência cumprem o mesmo papel da aproximar as pessoas, assim todos rompemos a solidão que acomete os seres-humanos.

É fato que muitos não se adaptam, não se ajustam, em parte por um saudosismo de sua cidade original, em parte por má vontade com a cidade e em parte por não saber como lidar com as particularidades da capital, mas muitos, muitos mesmo são os que chegam a Brasília e se apaixonam e navegam pela cidade com muita desenvoltura.

É doloroso ver Brasília chegar ao seu cinqüentenário sofrendo mazelas como a expansão do consumo de drogas, aumento da violência, inchaço urbano irresponsável, ambiente político tóxico e escândalos no atacado. Contudo, não se pode deixar de louvar nessa data o espírito empreendedor daqueles que responderam ao chamado dos políticos profissionais, que compraram a utopia e se aventuraram para construir a capital, com um espírito próximo ao que os americanos chamam ‘homem da fronteira’.

Brasília é mais que os políticos que a habitam! É uma cidade que tem vivenciado um boom cultural com uma excelente cena teatral, cena musical que vai do indie ao samba verdadeiro de raiz, passando pelo rock, pelo reggae, pelo hip hop, pelo funk. A cidade tem bons restaurantes está cada vez mais se tornando uma cidade importante economicamente.

Deus! Como sinto falta dos meus amigos, como sinto falta da amplidão da capital (que parece desoladora para alguns), de ver aquele céu encapsulando a arquitetura exótica e modernista que marca a cidade. Por exemplo, não esqueço a vista que há em um terraço muito bonito e de uso cerimonial do Palácio do Itamaraty. Sinto falta dos meus recantos, dos bares, dos restaurantes, (por incrível que pareça) da seca, da quadras e de ficar debaixo do bloco.

Parabéns Brasília, parabéns brasilienses.

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