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Mais política externa ou sobre palavras vazias

Como expliquei em post anterior estou enfrentando problemas técnicos com minha conexão e não tive como ver a reação da blogsfera a entrevista concedida nesse domingo ao O Estado de São Paulo, pelo Ministro Amorim.

Esses últimos dias têm sido profícuos em movimentos de alguma significação por parte da diplomacia brasileira para citar alguns tivemos a formatura da turma de 2010 do Instituto Rio Branco, a resolução da crise das papeleras sem participação brasileira, uma aproximação com a Índia para pressionar a China, no que tange a polêmica taxa de câmbio da nação comunista (?), e a folclórica e escandalosa outorga da Grão-Cruz da Ordem do Rio Branco às esposas do chanceler, vice-presidente e presidente. E para coroar essa seqüência temos uma entrevista do próprio Amorim.

Em linhas gerais, como a essa altura vocês já devem saber, o Ministro defendeu sua gestão a frente do ministério, sustentou que foi acertada a posição brasileira em Honduras e afirmou que o Brasil não é pró-Irã. E ainda afirmou que o sistema político dessa teocracia é plural.

Via de regra nesse blog escrevo analises que tem sotaque acadêmico, mas são peças menos vinculadas as normas rígidas da ciência, por isso mesmo sendo crítico a posições oficiais de qualquer estado ou organização, procuro a retórica menos inflamada. Contudo, o Senhor Ministro não pode de boa-fé querer que tenhamos sua análise quanto ao Irã como sincera, afinal os anos de experiência que ele tem e sua credenciais acadêmicas não dão margem a pensar que esse senhor seja um idiota.

Diante da duríssima repressão aos dissidentes, condenados a morte, diante do corpo da jovem Neda, que teve sua morte transmitida pela internet, não se pode atribuir a esse sistema pluralidade. E ainda creditar a repressão e as mortes subseqüentes somente ao derrotado líder oposicionista. E se esconder atrás da popularidade do presidente para não ter que dar conta da falência moral que essa linha de pensamento representa. Ora por que ao mesmo tempo em que ele referenda a posição de Lula, tenta nos convencer que é apenas uma questão de estilo.

Depois usa da velha estratégia dos diplomatas (de qualquer país) de dizer que não comenta assuntos internos de outros estados, que são relações de estado, as relações entre Brasil e Irã, o que seria indefectível, não fosse a defesa do regime e endosso a repressão desse regime que de fato se traduzem em suas declarações.   

As palavras do ministro são serenas e bem colocadas, mas com significados bem claros em suas simpatias e na forma como são conduzidas as ações externas do Brasil. A aproximação com o Irã está ameaçando gastar capital político que é muito importante para o Brasil na consecução de seu objetivo de ser um global player, isto é, um país capaz de influenciar a formação dos regimes internacionais, além de suas cercanias.

Depreende-se da ação, atual, do Itamaraty, que muito mais que a questão nuclear que assanha os nacionalistas (de todos os matizes ideológicos, devo salientar), a questão do Irã seria a “cabeça de praia” da entrada do Brasil como player na região. A avassaladora popularidade do Presidente Lula, pode ter entrado na equação como fator que limitaria uma resistência interna a essa política, contudo, Ahmadinejad (que não é tão poderoso no regime iraniano que segundo analistas, é cada vez menos uma teocracia comandada pelos Aiatolás e cada vez mais uma ditadura militar da guarda revolucionária) com suas declarações antissemitas e homofóbicas, estimularam críticas a essa relação mesmo de elementos militantes da esquerda que compõem base de sustentação do governo (mesmo aqueles que se dizem oposição, como PSOL) já que muitos desses militantes e formadores de opinião são ligados a movimentos LGBT, feministas entre outros que são ativamente perseguidos no Irã.

O que eu prego, então, a dissolução das relações entre Brasil e Irã? Não, mas creio que poderiam ser relações discretas, mornas. De modo que continuemos com uma parceria comercial bastante favorável, mas sem emprestar prestigio e espaço de manobra a esse regime. Por exemplo, o que ganha o Brasil ao enviar uma missão comercial (em que as empresas pediram sigilo sobre sua participação o que já diz muito) de alto nível com a presença de Ministro de Estado, no mesmo período da reunião sobre segurança nuclear?

Isso demonstra altivez e independência dirão alguns, mas essa é a mensagem que como país queremos passar. A imagem de quem se alinha com estardalhaço a qualquer regime que seja inimigo ou hostil aos EUA, sinceramente isso não é independência por que a política externa continuaria a ser pautada pela agenda americana. Quando o que nos importa é nossa agenda, são nossos interesses que devem ser levados como principio inequívoco da ação externa nesse sentido, vale a pena criar antipatias no Congresso Americano, na Europa e no próprio Oriente Médio? E, mais defender um Estado que é desafiador quanto ao regime de inspeções da AIEA criará ou não dificuldades para que o Brasil consiga negociar com essa Organização, um regime de inspeções que resguarde a tecnologia internacional e nos permita ratificar o Protocolo Adicional do TNP?

Esse texto foge ao padrão que costumo produzir, mas o teor da entrevista ensejou uma resposta mais visceral. É uma peça exemplar de quando o verossímil substitui o verdadeiro, e não faltaram os que interpretarão como vigor patriótico e intelectual as esquivas declarações do Ministro, que deu mostras que é realmente, mais um político profissional, que um servidor público de carreira, portanto sua filiação ao PT agora me parece muito natural.

Além de mostrar sua fidelidade em justificar qualquer declaração do “Nosso Guia” (expressão cunhada por ele e adotada com entusiasmo pelo Gaspari) essa entrevista nada acrescentou. Tenho plena ciência dos riscos que postar palavras contundentes contra uma figura do governo petista. Espero que esse blog não seja invadido por militantes acríticos com chavões como “elitista” entre outros menos charmosos.

Se for concordar ou discordar (principalmente discorda) argumente, assim todos aprendemos. Sinceramente, espero, estar errado quanto ao desenrolar dos acontecimentos e quanto aos rumos da política externa brasileira.  

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