A questão do envolvimento político do Brasil com o Irã é algo que ao longo do ultimo ano tem chamado a atenção da imprensa e de analistas internacionais. Há uma acalorada discussão sobre a natureza dessa aliança e uma ainda mais acalorada sobre as razões da insistência americana em impor sansões quanto ao programa nuclear do Irã.
Os argumentos são em muitos casos repetitivos e sem dúvida ligados a campos ideológicos, alguns desses argumentos parecem ser construídos dentro da lógica: “inimigos dos meus inimigos são meus amigos” ou o que mais pode explicar que a esquerda, incluso a radical, defenda o regime do Irã com tanto afinco, quando esse tem características intrinsecamente opostas às crenças que esses grupos defendem. Por exemplo, o Irã é um regime teocrático, que reprime formal e informalmente mulheres e homossexuais, um fato interessante já que os partidos e intelectuais de esquerda sempre se querem defensores da igualdade sexual, protestando sempre que podem contra até mesmo o que chamam de “heteronormatividade”.
Argumentam, também, esses grupos de opinião que a pressão americana é hipócrita e serve para a manutenção do status quo mundial, excluindo os países em desenvolvimento do acesso a tecnologias, como as nucleares, não obstante que o país em questão seja signatário do Tratado de Não-Proliferação que autoriza as inspeções, e assim acusam o Tratado de desigual de criar nações de segunda classe, mas do ponto de vista legal o tratado está em vigor.
Outra linha é a da geopolítica, isto é da linha de análise que faz a correlação entre o espaço e recursos, a questão geográfica passa a ter peso estratégico. E seguindo essa linha vê-se que a região geográfica em que o Irã se coloca é claramente estratégica, não somente por seus recursos petrolíferos (como alguns gostam de repetir), mas por sua própria localização na eurásia um espaço que tem sua importância alardeada em diversos estudos. Basta que observemos um mapa para perceber que nessa área estão a maior parte da população mundial, significativas reservas de petróleo facilmente exploráveis (Iraque, Irã, Arábia Saudita, Rússia), além do controle de passagens importante de escoamento de produtos por rota marítima. Outro ponto importante é que nessa região que encontramos um embate importante entre as potencias globais no esteio da queda e desmantelamento do império soviético. É nessa região que China, Rússia, Europa (União Européia) e EUA competem por projeção de poder para entre outras coisas assegurar acesso a matérias primas e produtos industriais.
E assim por essa linha vê-se que não interessa a nenhum dos grandes atores a introdução de mais um fator de desestabilização numa região já altamente nuclearizada. Com Índia, Paquistão, China, Rússia e OTAN.
Os defensores da posição dos EUA se baseiam no que foi explanado acima e no fato do Irã reiteradamente declarar que pretende erradicar Israel do mapa e de sua recusa de receber os inspetores da Agência Atômica e o fato que algumas instalações foram escondidas da Comunidade Internacional (um termo que carece definição mais precisa).
E aí a diplomacia iraniana é particularmente eficiente ao fazer muitos confundirem a questão iraniana com a questão palestina, embora existam pontos óbvios de intersecção dos dois problemas e no caso o apoio a chamada causa palestina rende popularidade e em algum grau justificação interna de um regime que limita liberdades básicas. Além de utilizarem do seu enorme passado e riqueza cultural numa política de “soft power”.
O Brasil tem elevado o perfil de suas relações com o Irã que sempre foram comercialmente lucrativas e culturalmente proveitosas, esse novo patamar vem do fato que o Itamaraty tem se permitido usar como fonte de legitimação internacional do cada vez mais isolado governo iraniano e ai que a questão se torna espinhosa esse tipo de relação mais frontal de aliança e parceira política reverbera interna e externamente e naturalmente tem encontrado muita resistência expondo a diplomacia brasileira a muita fricção em um período de crescimento de prestígio e relevância em questões extra-regionais.
Obrigado a defender publicamente sua posição de parceria política o MRE e o Planalto passaram a encastelar uma posição de apoio cristalino e incondicional, como os históricos de votação do Brasil nos conselhos de direitos humanos e de segurança demonstram. Essa nova “questão de honra” enseja do Itamaraty criatividade nas justificativas. Embora, numa coisa tenham acertado, afinal há uma boa controvérsia acerca da funcionalidade das sanções internacionais. De todo modo é difícil conciliar que o Brasil seja pró-ativo na defesa da democracia no Haiti e leniente com o regime de Teerã. Sem contar as questões de direitos humanos, que em geral são as mais inconsistentes de qualquer política externa.
As conseqüências dessa aliança como já afirmei acima estressam a prática de política externa brasileira, consumindo o prestigio duramente conquistado desde o final dos anos 1990 e dragam o Brasil para perto de uma disputa política e geopolítica que não servem em nada aos interesses do Brasil. E não é questão de se omitir de questões globais e sim de agir em nome do interesse nacional. Não importa se o Brasil pró ou antiamericano, por que construir uma política nessas bases seria algo beirando a irresponsabilidade juvenil (ainda que pareça ser esse o caso em alguns momentos) o que o governo deve zelar é pelo patrimônio político conquistado não o gastando em uma questão de pouco retorno.
Essa parceria de maior relevo e os argumentos utilizados em nome do “pragmatismo” dão a entender que as bases da política externa seriam moralistas, embora essa moral mude de continente em continente, além do problema regional que é apoiar o Irã que acusado formalmente pelo governo da Argentina pelo atentado da AMIA que matou 85 em 1994.
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