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Contencioso do algodão (Parte – I)

Durante o hiato das postagens provocadas pelo maldito vírus da dengue, uma noticia chamou bastante a atenção que foi a decisão da CAMEX sobre a aplicação de medidas compensatórias cruzadas autorizadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. A lista final de produtos que serão alvo das medidas deve ser publicada no dia 8 de março, sem dúvida o assunto deve fazer parte da pauta das reuniões por ocasião da visita da Secretária de Estado Hilary Clinton. Com isso em mente preparei uma série de posts que abordam o assunto e temas correlatos. Esse primeiro texto pode ser considerado introdutório.  

Algumas palavras introdutórias

A imprensa gosta de chamar as medidas compensatórias de retaliação, acho que tem um efeito mais dramático que chamar pelo termo consagrado na literatura sobre defesa comercial. A disputa em questão foi a primeira vez que um painel foi estabelecido nos marcos do Acordo sobre Agricultura, ou seja, foi a primeira vez que tema agricultura foi tratado nos moldes do tratamento dado aos bens industriais.

A vitória do Itamaraty nesse painel foi um belo exemplo de integração entre sociedade e governo e também de integração intra-governamental. Um processo como esse começa quando um produtor, ou grupo de produtores percebe que está sendo prejudicado. Afinal esse produtor conhece seu mercado, seus custos e tem uma boa estimativa dos custos de seus concorrentes. Em geral o passo seguinte é acionar a entidade representativa dos produtores para que em conjunto possam arcar com os custos da descoberta dessas irregularidades (que consiste em contratar especialistas em econometria, direito comercial internacional, e levantamento de informações), fundamentadas essas suspeitas iniciais o organismo faz um pedido oficial de investigação no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o Decom – Departamento de Defesa Comercial.

Ao aceitar o pedido de investigação o Decom dá inicio aos seus trabalhos que levam ao pedido de consultas (que é parte necessária do processo de Solução de Controvérsias da OMC, que sempre estimula a resolução extrajudicial dessas questões), esse processo de consultas se dá entre o Decom e sua contraparte e corresponde a troca de documentos, já que são feitos pedidos de esclarecimento por escrito, e pesquisas matemáticas. A controvérsia em questão era sobre acusações de subsídios. Falhando as consultas diretas em alcançar resultado satisfatório é aberto no Órgão de Solução de Controvérsia, que segue o fluxograma abaixo.



Existem alguns pré-requisitos para que se possa definir determinada política comercial como subsídio. Subsídio pode ser entendido como uma política pública que vise sustentar renda ou preços que contribua para diminuir importações ou aumentar exportações. E se tiver previsão de medida compensatória. Para que o subsídio em questão seja avaliado em um painel é preciso que seja acionável para ser acionável deve ser ilegal. Para ser ilegal e, portanto acionável deve ser:

a) Vinculado de fato ou de direito ao desempenho exportador;

b) For vinculado ao uso preferencial de componentes nacionais.

De maneira geral é seguindo esses requisitos que se instala o processo de solução de controvérsias, que nesse particular pode ser definido como: “É a resolução de qualquer conflito efetivo ou potencial, referente à interpretação, aplicação ou cumprimento das normativas da OMC”.  

A questão especifica do caso do algodão e da aplicação de medidas compensatórias será analisada em posts futuros, bem como implicações políticas da aplicação dessas medidas. Como dito anteriormente o contencioso do algodão inaugurou a aplicação do Acordo Sobre Agricultura, ao enterrar de vez a chamada Clausula da Paz. Uma revisão do Acordo sobre Agricultura, feita aqui nesse blog pode ser encontrada aqui. 

Comentários

Carol disse…
Oi Mário!

Obrigada pelos comentários,e que bom que voce tb abriu espaço pra comentarmos aqui (acho que tentei comentar uma vez e nao consegui).

Acho mto interessante como vc, mesmo especializado em negócios internacionais (comex), matém seu interessa na política, pq por mais que os assuntos se correlacionem, sempre tendemos a "escolher" uma área.

Entao finalmente o Brasil divulgou a lista dos produtos que sofrerao aumento no II, e eu, particulamente, acho lindo quando a diplomacia brasileira se impoe, principalmente quando o assunto é EUA.

Acompanho o seu blog ;)

Abraços!
Mário Machado disse…
Tive mesmo problemas com comentários quando da mudança de layout. Mas, tudo corrigido.

Obrigado pelo comentário, acho que se impor é necessário, estou até a escrever alguns detalhes sobre esse contencioso. A única questão que resta é o potencial que essa medida tem de ferir o consumidor que já lida com uma inflação alta. Mas aí é eficácia.

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