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Um debate saudável

Existem várias definições de diplomacia construídas por vários pensadores influentes desse ramo e do campo cientifico das relações internacionais. De maneira mais ampla pode-se definir diplomacia como relações internacionais na forma de política pública. Ou seja, a diplomacia é a instrumentalização de políticas do estado voltadas para relações com o externo, como toda política pública a diplomacia é regida por princípios como o respeito à legalidade além de ser condicionada politicamente pelo grupo que exerce o poder.

O estudo histórico nos brinda com linhas de política externa que são constantes ao longo de governos tão diferentes como regimes de exceção e governos democráticos. Essas linhas existem por que a construção da ação externa de um país é condicionada de algum modo por forças mais perenes que o dia-a-dia da política essas forças são derivadas do interesse nacional, um ente teórico das relações internacionais que se define de maneira ampla como o conjunto de idéias e projeções nacionais do que deveria ser alcançado na ação externa de um país, por exemplo, no caso brasileiro tem-se que a busca pelo desenvolvimento nacional é um interesse nacional e a política externa tem se construído de maneira a facilitar o desenvolvimento.

É claro que entre um enunciado genérico de interesse nacional e como ele será moldado na realidade há vários estágios de construção de conceitos que é eminentemente político, mas tem uma grande influencia da academia e da sociedade, por exemplo, o desenvolvimento nacional é um interesse nacional, assim se tem a necessidade de gerar emprego e renda para que possa ser possível atingi-lo, o setor de agronegócio gera os dois, portanto negociar por liberalização e por uma competição em igualdade de condições passa a ser um imperativo da política externa, fica fácil compreender, então por que o sucesso de Doha passa a ser tão importante para o Brasil.

O como obter esse sucesso desejado a partir da definição do que seria o interesse nacional varia bastante a partir das concepções de mundo dos tomadores de decisão e dos formuladores de política externa, ou seja, mesmo com interesses perenes a atuação externa de um Estado varia de acordo com o grupo no poder, se não vária em termos estratégicos varia muito em termos táticos.

Uma parte importante dessa equação que determina em algum grau como serão as táticas usadas e quão livres serão os tomadores de decisão para forjar ou desfazer alianças é dado pela opinião pública e pelo debate público acerca da política externa.

Nos últimos anos a discussão acerca dos rumos da política externa brasileira tem deixado os meandros governamentais e universitários e tem se tornado tema de debate social, ainda é claro pautado em plataformas analíticas por vezes ineficientes ou exóticas por assim dizer, esse debate ainda não é amplo como o visto em outros Estados em que há mais controle sobre as ações de política externa, controle inclusive institucional, já que em muitos países é comum que o parlamento tome parte ativa na questão externa, por vezes até frustrando o executivo ao negar ratificações ou indicações para cargos de chefia de missão diplomática.

O debate sempre esquenta quando algo chama a atenção da mídia para atuação externa brasileira, seja a presença de um presidente deposto com uma grande comitiva em uma de nossas embaixadas, ou uma conferência de grande porte, ou elogios de um mandatário externo, ou uma nova aliança, ou como vimos nos últimos dias um grave desastre natural.

O debate público na imprensa é logo apropriado pela lógica maniqueísta de situação e oposição transformando a questão em um embate eleitoral, e por muitas vezes se perdendo o horizonte analítico, por que por vezes ações de política externa são resultados de uma visão que serve bem aos desejos dos líderes da nação, mas nem tanto ao seu povo, para usar uma expressão do Barão do Rio Branco nem sempre a política externa projeta a ‘certa idéia de Brasil’ pertencente às correntes majoritárias da opinião pública nacional.

Nesse sentido de uma construção mais democrática e transparente de uma política externa o debate se constitui em instrumento necessário em um país que se quer uma democracia participativa e plural. Assim, é positivo o debate acalorado que surge no esteio da tragédia no Haiti, tanto o debate sobre a liderança e intenções dos protagonistas da ajuda internacional, como o mais difícil e amplo debate acerca da conveniência ou não da presença brasileira a frente dessa missão.

Contudo, o debate será proveitoso se levar há um maior envolvimento nas questões externas e se conseguir introduzir as questões de relações internacionais no debate eleitoral desse ano de maneira profunda, o que não tem acontecido nas campanhas eleitorais desde a redemocratização. É óbvio que questões econômicas, sociais e ideológicas tenham um grande papel na disputa partidária, mas dada a globalização e a inegável interdependência não só entre os países, mas também entre as políticas externa e interna. A discordância é natural numa democracia e o debate é saudável e com um aumento das partes interessadas e de participação da sociedade fortalece a atuação do Itamaraty, já que passaria a contar com mais subsídios e recursos.

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