A crise hondurenha parece chegar ao fim com o aceite da nova versão do plano Arias por parte do presidente deposto e do presidente interino. A imprensa dá destaque aos pontos do acordo, que na verdade consagra a saída mais lógica para a crise que é a saída eleitoral.
Desde o primeiro texto aqui deixei claro que uma solução para essa crise só seria possível com o peso do Departamento de Estado da EUA, que demorou a agir e foi reticente no inicio da crise, numa clara tentativa da Chanceler Clinton e do Presidente Obama de demonstrar uma suposta guinada em relação a política do governo anterior. Por isso mesmo a despeito de uma pressão dos republicanos no Congresso mantiveram uma posição alinhada ao pensamento dos países latinos.
Desde a deposição ficou claro que Zelaya não possuía condições políticas de administrar o país e a posição de retorno incondicional defendida pela ALBA, pelo Brasil e pela OEA era inviável. A recusa em negociar ou reconhecer o governo de fato, como gosta a imprensa, golpista como diz o governo Lula, ou interino como eu prefiro, apenas prolongou a crise e acirrou os ânimos. Vidas foram perdidas por conta disso e isso é irreversível.
Muito mais que o futuro político institucional de Honduras estava em jogo claramente um embate político regional, já que a deposição de Zelaya foi a primeira grande derrota da maneira do socialismo bolivariano do século XXI de fazer política. Esse pequeno país da América Central devastado pela criminalidade das transnacionais gangues de rua (conhecidas como “maras”, que por sinal são uma séria ameaça a estabilidade da região) foi o primeiro em que as instituições constituídas se valeram de métodos extremos (mas previstos no ordenamento) para defesa do sistema democrático estabelecido.
O erro capital, ou pecado original foi à expulsão do presidente e um dos pontos do acordo prevê investigar em que condições se deu isso, quem foram os responsáveis, por esse ato de ilegalidade. Não contesto a deposição ao que tudo indica foi feita nos termos da lei. Tanto é que a reposição será votada pelo Congresso a partir de uma consulta feita a Corte Suprema. O acordo prevê também que não há anistia assim todos os crimes e supostos crimes serão investigados, inclusive e diria principalmente os atribuídos ao “Mel” Zelaya.
Fica inconteste a força dos EUA que conseguiram construir esse acordo de maneira relativamente rápida após sua entrada de vez no caso, Brasil, Venezuela, Nicarágua e OEA provavelmente se vangloriarão do virtual retorno de Zelaya, ainda que volte com limites sérios a seus poderes e com o controle da polícia e do exército nas mãos do Tribunal Eleitoral, como alias prevê a lei eleitoral hondurenha.
O saldo que fica dessa crise pode ser muito danoso para o Brasil futuramente por que a intervenção e ingerência direta podem munir aqueles que brandem o imperialismo brasileiro alarmando nações vizinhas que já desconfiam das ambições brasileiras de liderança regional e de papel proeminente globalmente. A isso se soma que todo o desgaste não teve retorno a contento não conseguimos impor nossa vontade (o que arrefece o ufanismo diplomático dessa fase eufórica de conquista de espaço no tabuleiro econômico global) e ficamos perto de ter responsabilidade ativa em uma guerra civil.
Esse conflito, também, mostrou que a atuação brasileira na região não se baseia em um saudável pragmatismo pautado no melhor para o interesse nacional e se mostrou engajada e moralista, o que pode ter conseqüências muito negativas já nos adverte Morgenthau.
É preciso ter em mente que ser crítico quanto ao discurso oficial e as ações de governo é uma responsabilidade de quem analisa as relações internacionais com compromissos científicos e com a honestidade intelectual. Isso não significa discordar sempre tampouco concorda sempre. Há os que confundem críticas com alguma espécie de tomada de lado.
Um importante item do acordo é o estabelecimento de uma comissão de fiscalização da implementação do acordo, por que havia duvidas sérias sobre a idoneidade de ambos os lados da negociação.
Cabe-nos agora buscar ter acesso a documentos, testemunhos e análises que ajudem a compreender profundamente todas as forças envolvidas nesse processo, o que demandará tempo e afastamento, mas sem dúvidas a questão hondurenha servirá como objeto de estudo que pode ser deverás proveitoso para compreensão das relações no sistema interamericano.
Comemoro, com algum ceticismo, o fato de um acordo ter sido alcançado. Agora veio um processo longo de conciliação nacional que deve ser bem conduzido para evitar que revanchismos e resquícios da polarização dos últimos meses abalem as estruturas institucionais e continuem a enfraquecer a democracia hondurenha, bem como seu tecido social debilitado pela criminalidade, pobreza e regimes brutais do passado recente.
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