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Fujimori, o homem que mandava no Peru.

Tem sido amplamente divulgado na mídia (© by Wollmann) a sentença condenatória dada ao Ex- Presidente peruano Alberto Fujimori (aqui). Esse sempre foi um nome capaz de despertar paixões e polarizações não só em seu país como na opinião pública internacional, seu nome estará para sempre relacionado ao fim do terrorismo de inspiração marxista no Peru, todos se lembram da imagem do líder do Sendero Luminoso Abimael Guzman enjaulado e com um uniforme de presidiário ao melhor estilo irmãos metralha. 

Lembra-nos, também, o nome Fujimori a invasão e manutenção em cativeiro entre dezembro de 1996 e abril de 1997 de centenas de autoridades e políticos e o próprio Embaixador do Japão pelo grupo terrorista MRTA - Movimento Revolucionário Túpac Amaru, (Para os mais novos não foram inspirados pelo rapper). Na época da invasão da embaixada e a morte dos 14 guerrilheiros fora visto como um sucesso do governo Fujimori o que deu ainda mais poderes para “rasputiniana” (se me permitem o neologismo) figura de Vladimiro Lenin Montesinos Torres na época chefe do Serviço de Inteligência Nacional, e mais tarde com suas fitas seria o pivô da queda e do fim do regime de Fujimori.

Analisar uma figura como Fujimori é terreno pantanoso já que como me referi em outro post os fantasmas podem nos cegar a percepção. Para evitar uma leitura contaminada por visões ideológicas buscarei por fontes acadêmicas e análises abalizadas que nos possam mostrar com clareza os antecedentes históricos do regime de Fujimori, uma análise da política peruana, uma analise dos períodos desse governo e seus paralelos com líderes que a primeira vista nada tem em comum com Fujimori. Tentar fazer uma classificação de seu governo (afinal seria populista, ditatorial, autoritário) e claro se fará necessário uma análise de seu auto-golpe (uma coisa meio Estado Novo, mas não farei a comparação, seria forçar demais minhas habilidades historiográficas), das acusações de genocídio (tentarei expor quando abordar isso o teor das denuncias, as evidências que conseguir levantar e se for possível, também, a agenda de quem denuncia, tentando evitar a parcialidade, ao menos a priori) e de sua queda meteórica, não obstante imensa popularidade que ainda goza. Devo admitir que muito me ajudaram os escritos da Professora Dra. Cynthia McClintotock, PhD da Universidade de George Washington University. [Se alguém da minha turma de graduação estiver lendo é ela mesma do dia do “egg head”. Piada interna, ocorrida durante uma palestra dela na Universidade Católica de Brasília. Desculpem pelo ‘a parte’] [Os links da wikkipédia são apenas para ilustrar, pesquisa posterior se faz necessária]

Evitarei ao máximo emitir juízos de valor no que tange a “justiça” ou não de sua condenação aqui procurarei analisar suas influências políticas deixando o assunto de seu julgamento para aqueles que conheçam o direito peruano e as particularidades desse caso concreto.

Novamente me usarei da tática de dividir os post em série, assim tornando mais fácil a leitura na tela (juro que estou a cada dia tentando adaptar-me a linguagem sucinta dos blogs, mas vocês têm que concordar comigo que assuntos internacionais, via de regra, são complicados demais para analises superficiais).

Como de costume começarei com um breve histórico da política peruana nos anos que antecederem a ascensão do “El chino”.

Breve Histórico da Política Peruana

A história política peruana é marcada por momentos de rápida ruptura e muita instabilidade nas palavras do pesquisador peruano Carlos Iván Degregori (apud GONZALES) “Mi país es una montaña rusa. Apenas uno se cree seguro en su vagoncito, una caída súbita lo lanza a velocidad de vértigo en direcciones insospechadas. Por eso en mi país el que pestañea pierde”.

Para ilustrar essa questão entre os anos de 1931 e 1979 somente um presidente conseguiu transmitir o cargo ao seu sucessor em pleno cumprimento das obrigações constitucionais vigentes foi o Presidente Manuel Prado, em 1945.


Período Militar de 1968 a 1980.


A história peruana é pontuada por golpes militares sempre associados aos interesses das chamadas ‘oligarquias’, contudo esse último período militar chama a atenção por não ter sido gerado no esteio da defesa de um status quo, mas como uma experiência em que os militares peruanos acreditavam serem capaz de modernizar o Peru, foi um golpe ‘progressista’ se assim podemos chamar.

Em 1968, Fernando Belaúnde é deposto do cargo de Presidente do Peru, por um golpe militar, diferentemente do que se deu no Brasil, os militares peruanos não estavam imbuídos de um sentimento anticomunista, na verdade se denominavam nem capitalistas, nem comunistas e contavam com o apoio do Partido Comunista Peruano, mesmo tendo entre seus princípios a eliminação dos partidos políticos. Uma das primeiras ações do regime militar foi realizar uma reforma agrária, nacionalização de bancos, mineradoras, petroleiras e empresas pesqueiras.

Como o golpe não foi fruto de um movimento de massas ou de classe média, os militares tentaram se apoiar politicamente nas camadas mais populares usando o discurso “em prol dos proletários”, por isso mesmo extinguiam partidos e fizeram com que a participação política se desse em associações comunitárias e sindicatos, a falta de uma base de apoio coesa, que não existia nem seio da caserna foi aos poucos erodindo o regime militar, ao que se aliou um quadro econômico muito negativo (o mundo como todo sentia os efeitos dos choques do petróleo). Esse contexto permitiu um novo golpe, dentro do golpe com a deposição do General Juan Velasco Alvarado Geral assumiu o governo o General Francisco Morais Bermúdez, que tinha como plataforma amenizar o radicalismo da primeira fase.

Embora essa nova fase do golpe tenha conseguido apaziguar as correntes contraditórias dentro das Foças Armadas peruanas, a crise economica se agudizou o que precipitou uma greve geral, em 1977, conduzida por sindicatos que conseguiram se manter independentes do regime. Estava de tal forma enfraquecida a posição dos militares diante da adesão popular massissa e diversa, inclusive de setores que o militares julgavam ser sustentaculos de seu poder e a imagem do exercíto de tal forma desgastada que não possuiam unidade interna suficiente para procederem um recrudescimento do regime, assim captularam e anuciaram o chamado plano “Túpac Amaru”, que previa a transição para um regime democrático. Esse plano previa a convocação de eleições para formar uma Assembléia Constituinte. Assembleia que se estabeleceu em 1979.

A constituinte de 1979 se debateu com a questão de como se desenharia o novo sistema político peruano a isso se somavam uma oposição de partidos de esquerda e para complicar ainda mais havia questões de como se relacionar com o governo militar ainda no poder e o cresecente antimilitarismo, imposto pelo presidente deposto Belaúnde a seu partido.

Essa constituinte, também, debateu a tese muito difundida que o sistema presidencialista seria a fonte da instabilidade política da América Latina, isso acabou por criar uma Constituição de caracteristicas parlamentaristas em um regime presidencialista, numa tentativa de acomodar todas as forças em disputa.


A Democracia dos anos de 1980.


A volta de Belaúnde. (1980-1985)

A volta do regime civil trouxe de volta ao centro os mesmo pardidos do periodo anterior APRA - Alianza Popular Revolucionaria Americana e AP – Ação Popular, ambos centrados em figuras de estirpe caudilhista Haya de la Torre e Fernando Belaúnde, respectivamente. Nesse sistema, também, era ator relevante o PPC – Partido Popular Cristão e uma defecção desse o PDC – Partido Democrático Cristão.

O sistema partidário peruano nesse período era frágil e personalista e o espectro constante da intervenção militar não se dissipou com a nova constituição e a passagem do governo para mãos civis. A esquerda peruana se encontrava dividida em várias vertentes que competiam entre si.

Com esse panorama partidário, em julho de 1980, regressa Balaúnde ao poder no Peru, ao inicio propôs um governo de coesão nacional, o que foi posteriormente rechaçado pelo APRA. A crise econômica já aguda desde a década de 1970 não obteve resposta adequada do novo governo a isso se soma que durante as eleições gerais se iniciou a luta armada do grupo de influência maoísta Sendero Luminoso.

É certo que não se pode responsabilizar Balaúnde pelas ações do Sendero, contudo, muito apontam sua resposta tímida (talvez por seu antimilitarismo) a esse grupo subversivo criou uma situação que deu origem, também, ao MRTA. (É claro que esses movimentos cresceram em seu próprio ‘caldo de cultura’ que será apresentado em tempo oportuno).

O estilo caudilhista desse líder não permitiu que se criassem instituições fortes e como bom caudilho muito de seu tempo foi dedicado a mitigar conflitos internos de seu partido. Vale ressaltar que as Forças Armadas mantiveram uma autonomia nesse período se abstendo de intromissões em assuntos civis, mas resistindo a qualquer tentativa de controle civil sobre seus assuntos. Não obstante seu governo pouco ativo Balaúnde gozou de muita popularidade até seu falecimento no ano 2000. (GONZÁLEZ, 2004)

O debate economico dominou o debate da campanha política das eleições de 1985, já que a aguda crise ainda não cessará suas repercuções na sociedade peruana, o vencedor desse pleito foi o Alan García da APRA. Seu governo que antecedeu o do Fujimori será analisado no próximo post.

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