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Istambul por Francisco Seixas da Costa

Sou admirador, confesso, do ex-embaixador de Portugal, no Brasil,  Francisco Seixas da Costa, muito além do olhar analítico ele possui em seus textos um estilo agradável que eu por mais que treine não consigo alcançar. Com muita serenidade ele trata dos terríveis atentados terroristas que atingiram Istambul, ontem, e que pululam nas cidades turísticas do mundo que por óbvio assim são por que concentram expressões culturais e arquitetônicas que pertencem a toda humanidade. Deixo vocês com o texto do embaixador, depois retorno com um breve comentário. (lembrando que o texto é transcrito tal qual o original e com autorização do autor, texto pode ser lido na versão original aqui).

Istambul

Por Francisco Seixas da Costa
 Há não muito tempo, depois de fazer uma palestra em Antália e de reuniões em Ancara, tomei a decisão, antes do regresso a Lisboa, de passar um dia em Istambul.
 Parti de Ancara num voo bem matutino, instalei-me num hotel perto da Aya Sofia e, durante 11 horas (é verdade!), flanei sozinho pela antiga Constantinopla (ser filho único ajudou-me sempre muito a gostar de andar comigo mesmo). Almocei no restaurante da estação tornada famosa pelo Expresso do Oriente (de onde Gulbenkian partiu, em fuga, quando jovem), comprei castanhas pela rua, visitei mesquitas (nunca tinha ido à Suleimaniye), perdi-me no mercado das especiarias, fiz o clássico passeio de barco pelo Bósforo (onde tive uma curiosa conversa com um médico iraniano, que por aqui contei), vi o sol a pôr-se à passagem pelo palácio Dolmabahce, galguei até às alturas de Galata, com pausa para um copo no bar do Pera Palace, calcorreei toda a Istiklal até à praça Taksim (lembrando os confrontos, não muitos meses antes) e não resisti ao cliché de tomar o famoso elétrico de volta. Jantei muito bem, por ali, para o tarde, num restaurante moderno, com uma livraria acoplada (tudo publicado em turco, infelizmente...), com imensa gente, música ao vivo, acompanhado de um tinto búlgaro que me soube pela vida. A noite estava quente, desci no funicular, parei uns minutos na ponte, na travessia para a cidade velha, para observar a sorte dos seus eternos pescadores. Apenas por cansaço, tomei um taxi no percurso que me restava até ao hotel, não sem antes ter bebido um sumo de limão gelado num boteco tradicional. Um dia turístico barato, numa imensa tranquilidade, numa das mais vibrantes e belas cidades do mundo.
 Senti-me então em Istambul em completa segurança, como sempre me recordo por lá. A cada vez, desde a primeira visita nos anos 80, a expressão islâmica no vestuário das mulheres acentua-se a olhos vistos - como aliás acontece no Cairo, em Tunis, mas muito pouco em Argel.
 Se há cidade que, sempre que posso, recomendo a todos os meus amigos para visitarem é Istambul. Ontem, um terrível atentado vitimou turistas na cidade, na zona de Sultanahmet, junto ao hotel onde fiquei. Sinto raiva ao pensar que o terror começa a retirar ao mundo o usufruto das suas maravilhas.
  
Compartilho da indignação do embaixador, o medo, está a nos roubar o mundo, nos impedindo de algum modo de celebrar o que nos faz maiores como humanidade e a reforçar as pequenezas que nos dividem tão violentamente.

Será essa “diminuição” das nossas possibilidades de visitar cidades novas ou bairros e regiões de nossas próprias cidades por medo do sectarismo terrorista um fenômeno duradouro? Parece-me algo que vale a pena pesquisar cientificamente.   

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