Pular para o conteúdo principal

Brasil e Venezuela: E um conselho inesperado

brasilVenezuelaNas minhas leituras diárias me deparei com uma reportagem interessante da Revista Político, que fala sobre um conselho do bilionário Warren Buffett a Sen. Elizabeth Warren, democrata que é umas das principais vozes por uma taxação mais dura dos investidores e banqueiros de Wall Street, no tom moralista que vem tomando conta desse debate em todo canto do mundo. Buffett sugere a senadora Warren que seja “menos indignada” em sua retórica e até mesmo menos raivosa e se preocupe em alcançar algo que mesmo que não seja o ideal, seja superior ao estado atual das coisas.

Buffett não está sendo inovador na sugestão que manter o tom mais ameno, oferece aos adversários políticos a chance de chegar aos mínimos demoninadores comuns (pra roubar uma expressão da matemática), essa fala é uma defesa do pragmatismo e não do cinismo como pode parecer. Não é abrir mão dos ideais, mas aceitar que nem sempre é possível se implementar reformas profundas unilateralmente, a menos é claro, que não se tenha a democracia como horizonte de ação.

Claro, para agir assim o político precisa ter cabeça fria diante de uma eventual queda de popularidade e uma capacidade boa de comunicação de seus ideais e explicar a sua base, que essa vitória possível é bem melhor que a inação.

O conselho de Buffett, embora tenha um contexto claro (debate sobre a reforma fiscal dos EUA) pode ser transplantado para outra esfera de ação, que são as relações internacionais no espaço sul-americano, mas precisamente sobre a prolongada e grave crise política e econômica da Venezuela.

Aliás, sobre isso hoje os professores e pesquisadores João Augusto de Castro Neves, Oliver Stuenkel e Matias Spektor publicaram, na Folha de São Paulo, um sóbrio ensaio sobre a ação brasileira no caso venezuelano (vale a leitura), os professores estão em linha com o que venho escrevendo sobre o assunto, em essência o Brasil tem interesses demais na Venezuela para não agir, e que a resposta brasileira não pode ser calcada na ideologia do partido do poder que é claramente simpático ao bolivarianismo.

Há um pouco mais de um ano escrevi aqui mesmo nesse blog:

“[...]É sempre difícil pros decisores políticos separar seus interesses de governo (partidário-eleitorais) dos interesses de Estado (de longo prazo e supostamente suprapartidários) principalmente quando a simpatia e antipatia ideológica são tão aparentes como no atual partido no poder no Brasil. Só a simpatia ideológica explica por que o Brasil é neutro diante das FARC que tentam derrubar um regime para impor uma ditadura socialista e na busca desse propósito traficam drogas que inundam as ruas brasileiras e armas ilegais que nos matam e é agora completamente defensor do regime bolivariano que enfrenta ampla contestação de uma fatia significativa da população da Venezuela.

Sobre a Venezuela é preciso resistir a vontade de demonizar os lados em disputa. É verdade que Maduro foi democraticamente eleito, ainda que pipoquem denuncias de fraudes eleitorais, mas também é verdade que sua eleição transformada pelos marketeiros brasileiros em referendo sobre o Chável, recém-falecido (o que é claro tem forte carga emocional) foi bem apertada com cerca de 200 mil votos de diferença.

[...]Pode um líder ser tão vacilante? Cabeças devem estar fervendo no belo palácio dos arcos atormentadas por essas questões, como diria o Barão do Rio Branco, Política Externa é projetar uma certa imagem de Brasil e nesse caso é uma parcial a favor de regimes de mesma matiz ideológica e vacilante quanto a própria capacidade de intermediar crises regionais. É esse um quadro acurado?”

Os autores apresentam um roteiro prático de ações que deveriam estar a ser tomadas pelo Brasil em âmbito bilateral buscando apoio de Cuba e dos EUA, e algum alivio financeiro no âmbito do BRICS dado o interesse econômico russo e chinês na Venezuela. Eu incluiria, hoje, a Santa Sé, seus bons ofícios e o carisma do Papa Francisco podem ser um asset importante para uma saída pacífica e, sobretudo democrática dessa crise.

E antes que o jovem leitor desse texto fique indignado e pergunte, mas agir não é interferir na soberania e autodeterminação da Venezuela?

Eu poderia, facilmente, citar inúmeros compromissos internacionais e exemplos que respaldam a atitude de buscar uma solução pra crise ou até o motivo mais auto-interessado de evitar uma guerra civil nas nossas fronteiras, mas aqui vou copiar a resposta a essa questão que os professores deram no artigo supracitado: Não se trata de violar a soberania venezuelana, e nenhum ator venezuelano obterá tudo o que quer, claro, para não alimentar a polarização. Se o governo brasileiro quiser, terá condições de liderar uma alternativa aceitável para todos.” [Grifo nosso]

O assassinato de Kluiver Roa, de 14 anos, durante um dos muitos protestos precipitados pela prisão do prefeito de Caracas, mais um jovem morto nesse conflito aumentou o sentido de urgência do debate da crise venezuelana na sociedade brasileira e chegou ao congresso e os ânimos tem se acirrado e os lados se inflamam em curiosos adjetivos e numa recusa dos defensores de Maduro de aceitar a verdade e num momento como esse o conselho de Buffett vem bem a calhar, menos retórica e mais trabalho para alcançar objetivos concretos. Haverá disposição pra isso?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Bye, bye! O Brexit visto por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui) torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O original pode ser lido aqui , transcrito com autorização do autor tal qual o original. Bye, bye! Por Francisco Seixas da Costa O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar ...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...