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Soft Power ou ingerência?

Elias-Jaua-Brasil-5 O governo da Venezuela assinou um acordo de cooperação com o Movimento dos Sem Terra, como os dois atores são polêmicos (e polarizadores) é provável que muito se vá escrever e falar sobre essa parceria.

É lugar comum dizer que Nye mudou a maneira como analistas de Relações Internacionais olham para a questão do poder e sua fungibilidade no Sistema Internacional (lócus onde interagem os Atores Internacionais como Estados, Organizações Internacionais e grupos de opinião e interesse específico como ambientalistas, por exemplo). Nye mostrou que há maneiras brandas, sedutoras de exercer poder, isto é, de influenciar atores para que tenham o comportamento desejado sem usar fatores coercitivos.

Grosso modo, Soft Power tem maiores chances de funcionar quando o proponente da ação possui atratividade cultural, valores políticos claramente discerníveis na sua realidade interna e política externa vista como legitima e moralmente correta. Afinal, isso seria atrativo para outros atores.

O acordo entre o MST e o Governo da Venezuela segundo a página do Ministério das “Comunas y los Movimientos Sociales” da Venezuela visa:

“fortalecer lo que es fundamental en una revolución socialista, que es la formación, la conciencia y la organización del pueblo para defender lo que ha logrado y seguir avanzando en la construcción de una sociedad socialista”

Vemos que é claramente uma ação governamental aliada a um grupo de interesse especial calcado em valores comum, visando influenciar a opinião pública brasileira para adotar políticas que seriam desejadas pelo governo da República Bolivariana da Venezuela.

A questão é que não vivemos o marco de uma revolução socialista, então temos um governo estrangeiro abertamente fomento uma troca de regime, o que desqualificaria a tese de que se trata de simples cooperação técnica nos moldes de uma política de Soft Power. Claro, que os simpatizantes do governo bolivariano dirão que é apenas um discurso empolgado e que eles vêem o governo petista como revolucionário e socialista. E que eles apenas buscam capitalizar em cima da “memória afetiva” que as palavras revolução socialista têm no imaginário brasileiro.

Não sou desses que vê perigo vermelho a toda política distributiva (a não ser vermelho no orçamento) e não vejo elementos que apontem para a derrocada da república brasileira e sua queda no comunismo. Mas, ainda assim não consigo encontrar justificativas conceituais para que essa parceria seja apenas uma política de Soft Power, de sedução.

Por que um estrategista em busca de seduzir o público brasileiro, sabendo que amplos setores da opinião pública do Brasil têm muitas restrições ao MST e a imagem bolivariana da Venezuela, servindo até de espantalho em discussões políticas locais?

Esse tipo de ação acaba por inócua, mas não deixa de ser desagradável e pede por uma resposta rígida do governo brasileiro sob pena de estimular ingerências anti-sistêmicas, que podem não ser assim tão inócuas.

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