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Uma análise crítica sobre a prisão dos ativistas do Greenpeace e o Direito dos mares, por Guilherme Carvalho

Abrindo espaço novamente para Guilherme Carvalho, que aborda a questão das correntes de opinião transnacionais e seu natural confronto com as soberanias estabelecidas, que em conjunto criam os diplomas legais, além de deterem o monopólio do uso da força, embora o noticiário nos mostre que grupos transnacionais podem desafiar Estados mais débeis na questão militar. O artigo aborda a prisão de ativistas do Greenpeace, na Rússia, a luz da legislação internacional. Assunto de grande interesse econômico para o Brasil cada vez mais investindo em peso em prospecção de petróleo no mar territorial ou na Zona Econômica Exclusiva.

greenpeace russia

Uma análise crítica sobre a prisão dos ativistas do Greenpeace e o Direito dos mares

Por Guilherme Carvalho*

Ao iniciar essa análise, é importante salientar que a questão da soberania é um senso comum dentro do estudo das Relações Internacionais, além, claro um outro pilar da mesma, é a razão de Estado que para alguns dos analistas mais realistas, são os grandes norteadores das ações dos Estados. Porém na metade do século XX, e com a chegada da chamada “era da informação”, a opinião pública ganha grande destaque dentro desse cenário. Além disso temos o envolvimento das Organizações Internacionais, e das grandes indústrias, que passam a serem fundamentais nas decisões à serem tomadas.

Assim dentro desse parâmetro, é possível observar uma série de atos e atores que lidam com os principais acontecimentos que ocorrem. Também pelo fato de haverem diversos envolvidos, ambos agindo segundo seus interesses, a criação de normas que regulam as ações, e traçam as diretrizes se fizeram, e se fazem cada vez mais necessárias para a manutenção de um sistema internacional “anárquico, mas organizado”[1] ao mesmo tempo.

A importância da sociedade civil é cada vez mais importante para o processo de tomada de decisões. Assim os movimentos sociais ganham ênfase no cenário e passam a ter relevância nos debates. E um caso que nos mostra claramente esse fato, é o dos ativistas do Greenpeace presos na Rússia:

[2]“Ativistas do Greenpeace foram presos provisoriamente, nesta quarta-feira, pela Rússia. Eles eram tripulantes de um barco da organização, que promoveram um protesto em uma plataforma de petróleo russa no Ártico. O grupo é acusado de pirataria Os 30 integrantes da tripulação do "Arctic Sunrise", detido em alto mar na semana passada quando seguia em direção a uma plataforma de petróleo da Gazprom, foram levados para vários centros de detenção de Murmansk e seus arredores. Três tripulantes russos já foram interrogados.

Os estrangeiros, incluindo a bióloga brasileira Ana Paula Maciel, serão interrogados após a chegada dos tradutores.

O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que os 30 integrantes do Greenpeace não são piratas, mas violaram a lei. "Não conheço os detalhes do que aconteceu, mas é totalmente evidente que não são piratas", disse Putin em um fórum internacional sobre o Ártico na cidade de Salekhard. "Mas é completamente óbvio que essas pessoas violaram as normas da lei internacional", afirmou, antes de destacar que os ativistas "se aproximaram perigosamente da plataforma". O "Arctic Sunrise", com bandeira holandesa, foi alvo de uma ação na quinta-feira passada da guarda de fronteira da Rússia, departamento vinculado ao FSB (Serviço Federal de Segurança, antiga KGB). Depois, foi rebocado para Murmansk.

A ONG denuncia o ataque "ilegal" ao barco e assegura que a embarcação estava fora das águas territoriais russas quando foi detido.

A empresa Gazprom deseja iniciar a produção na plataforma Prirazlomnaia no primeiro trimestre de 2014. O Greenpeace denuncia o risco de contaminação em uma área próxima, que inclui três reservas naturais protegidas pela lei russa.”.

Na presente situação, notamos a presença de três atores envolvidos, o Estado (Rússia), a indústria (empresa), e a Organização (Greenpeace). E para resolver o litígio, pelo menos no campo das ideias, temos que trazer a norma que regula tal questão, que nesse caso é uma norma internacional. A norma é a convenção de 1982 sobre o Direto do Mar.

Sobre tal convenção, cabe salientar que:

Conhecida como “A Constituição do Mar”, normatiza todos os aspectos do universo marítimo, inclusive delimitação das fronteiras, regulamentos ambientais, investigação científica, comércio e resolução dos conflitos internacionais envolvendo questões marinhas. A Convenção é, ademais, importante fator de sustentabilidade dos espaços oceânicos. (FUNAG, 2014 p. 6)

Dessa forma, o Direito do mar, trata-se de um assunto á ser julgado sob a ótica dessa convenção, e talvez seja algo que não cabe á um Estado julgar um caso de “pirataria”, mas sim um tribunal internacional, neutro e com a responsabilidade para com um complexo internacional, e não para com uma empresa ou Estado “A” ou Estado “B”.

Como argumento, o governo Russo tem a convenção á seu favor, pois o próprio art. 55° lhe permite fazê-lo ao tratar de zona econômica exclusiva que “ é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido pelo Estado costeiro”. Assim deixando toda uma jurisprudência em torno do assunto, delimitando extremamente as ações da sociedade civil em torno das vontades do Estado, impedindo a participação de outros atores, ou somente delimitando a participação aos dois atores (Estado e Industria).

Segundo o art. 3° dessa convenção[3], “Todo Estado tem o Direito de fixar a largura do seu mar territorial até o limite que não ultrapasse 12 milhas marítimas”. Dessa forma até o limite das 12 milhas de fato a jurisdição pertence á Rússia, mas o caso se trata de envolvimento de três atores (explicitados acima), e como falado, um desses é exatamente os movimentos sociais, que ganharam relevância. Então o novo questionamento á ser levantado é: Com a inserção de novos atores nesse contexto, até onde é o sensato um Estado delimitar as ações?

No art. 100°, é previsto a necessidade de se reprimir a pirataria, porém no art. 101° vem a definição de que pirataria é “todo ato de violência, detenção ou depredação cometidos, para fins privados cometidos para fins privados”. No art. 107° é onde o governo russo passou por cima “só podem efetuar o apresamento por motivo de pirataria, os navios que tragam sinais claros de que estão em atividade ilícita”. Dessa forma, fica claro que o governo russo se valeu daquilo que a eles interessava, usaram da convenção á seu favor.

Dentro dos fatos aqui apresentados, podemos concluir que o Direito do mar, nasce como uma ideia inovadora, para regular um bem coletivo, e o seu uso. Mas com o passar do tempo não assimilou a presença de outros atores como, a sociedade civil e seus mais diversos movimentos de expressão política. Por isso há uma necessidade de rever a convenção de 1982, fazendo valer a presença desses mais diversos personagens, e que compõem o sistema internacional como atores de destaque. Além disso, a falta de uma revisão do Direito dos mares é extremamente prejudicial á democracia, gera um vácuo onde governos ditatoriais podem se valer do mesmo para reprimir as ações da sociedade. Dessa forma, os ativistas do Greenpeace não foram interpretados como partes de um sistema democrático que reivindicam um maior debate sobre questões ambientais, mas sim como criminosos qualquer, como o próprio presidente da Rússia salientou: “"Nossas forças de segurança, nossa guarda costeira não sabiam quem tentava apoderar-se da plataforma sob a aparência da organização Greenpeace. No contexto dos sangrentos acontecimentos no Quênia, qualquer coisa poderia acontecer". Sendo assim eles foram “interpretados” da forma como melhor convém para o Estado.

BIBLIOGRAFIA

MONTEGO BAY, Jamaica. Convenção n°. 60-B de 10 de janeiro de 1982. Resolução Da Assembleia Geral Da ONU. Lisboa, Portugal, 1997.

PANNO BEIRÃO, André; ALVES PEREIRA, Antônio Celso. ISBN 978-85-7631-5056. Reflexões sobre o Direito do mar. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2014.

Notícia retirada do : <http://noticias.band.uol.com.br/mundo/noticia/?id=100000633332&t=> acessado em: 11/06/14.


[1] É a ideia de se organizar o desorganizado, manter o que está desorganizado, mas com uma certa ordem que traça limites, obrigações e direitos.

[2] Notícia retirada do : <http://noticias.band.uol.com.br/mundo/noticia/?id=100000633332&t=> acessado em: 11/06/14.

[3] O art. 3° disciplina a questão da delimitação do mar territorial.

__________________

*Guilherme é aluno de graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Co-fundador do Projeto Panorama, projeto esse que visa trazer o debate entre acadêmicos, políticos e empresários sobre os mais diversos assuntos. Atualmente engajado em um projeto de pesquisa na linha de: A identidade coletiva regional no sistema internacional contemporâneo: a América do Sul e os países árabes frente a nova ordem multipolar. Com foco da pesquisa voltado para: A participação da América do Sul na formação e reconhecimento do Estado Palestino.

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