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O terceiro reich: uma construção linguística, por Guilherme Carvalho

goebels Conheci Guilherme Carvalho quando fui à Goiânia para palestrar no II EACRI e chamou a minha atenção a paixão que ele falava sobre um artigo seu aprovado para apresentação, naturalmente pedi um resumo para compartilhar com vocês. Não é a linha de pensamento que eu sigo, mas esse é o “barato” da pluralidade de ideias. Leiam o excelente texto do Guilherme.

O terceiro reich: uma construção linguística

Por Guilherme Carvalho*

O terceiro reich, como uma das maiores catástrofes nos mais diversos âmbitos da sociedade contemporânea, surgiu através de uma série de fatores sociais, econômicos e filosóficos. Mas a adesão ao ideal do nacional socialismo, como ideologia, movimento social e estilo de vida, só conseguiu a adesão das massas, através de uma série de fatores exógenos expostos para a sociedade (bandeiras, uniformização e padronização de comportamento). Esses fatores exógenos por sua vez, são a materialização dos fatores endógenos (crenças, credos e ideologia). A transmissão das ideias, e sua consequente materialização acontece sob o prisma da linguagem falada.

Um importante fato a se destacar, é o discurso, como mobilizador da massa alemã. Segundo Ferreira (2008) A propaganda e o discurso são a principal arma para a “Servidão Voluntária”. Nesse sentido, compreende-se que a linguagem, seja ela escrita ou falada, teve o poder da mobilização e da completa entrega de uma determinada parte da sociedade, em prol de algo que acreditaram ser a salvação de todo um povo. Essa ideia de salvação, também foi criada por meio da fala, onde o ato de se dizer constitui uma realidade. A fala é obra da inteligência teórica, em seu verdadeiro sentido — é a sua expressão exterior. Sem a linguagem, os exercícios de memória e de imaginação são manifestações diretas (Hegel 2001, p. 113).

O domínio coercitivo realizado pelo nazismo em suas mais diversas esferas de atuação dentro da sociedade e do Estado alemão era transmitido pela fala. Fala essa que expressava corporalmente e sonoramente toda a coerção e a tensão que queriam passar para a sociedade. Para Klemperer (2009) o domínio absoluto que o nazismo exerceu sobre a normatização da linguagem se estendia ao âmbito da língua alemã, fazendo dela seu instrumento. Klemperer ainda ressalta que o estilo do ministro Goebbels não discernia a linguagem do discurso, para com a linguagem dos textos, por isso declamava, declamar significa literalmente falar alto sem prestar a atenção no que se diz.

Todo o ideal pregado pelo partido nazista se materializava na forma de Hitler e seus discursos como a “voz divina” que deveria ser ouvida pelo “povo escolhido”. O Fürher que por sua vez se pregava o salvador da Alemanha, e o construtor do Terceiro Reich, acabava sendo porta voz de uma verdade única, sem contestação. Nesse sentido, Chauí (1980) nos mostra que O discurso ideológico é coerente e racional porque entre suas “partes” ou entre suas “frases” há “brancos” responsáveis pela coerência. Assim, ela é coerente não apesar das lacunas, mas por causa ou graças às lacunas. Da mesma forma os discursos de Hitler se tornavam extremamente coerentes, justamente por haverem essas “lacunas” que tratavam de serem preenchidas pela imagem e a propaganda em torno de Hitler, sem contestações.

Para Wittgenstein (1921) para mostrar o que deve ser mostrado além do discurso, é preciso falar, ainda que a fala seja absurda. E no regime nazista, quem detinha o poder da fala, era apenas o partido, o partido que por sua vez controlava todos os meios de linguagem, escrita, impressa, visual, ou falada. Dessa forma, devido a falta de um discurso contrário, houve uma facilidade de manter a massa inerte em relação ao que acontecia dentro do Estado. Klemperer (2009), mostra que o nazismo, embrenhou na carne e no sangue da massa, por meio das palavras, expressões, que foram impostas e repetidas milhares de vezes, e foram aceitas conscientemente e mecanicamente.

Dessa forma é possível concluir que o nazismo usurpou o meio de transmissão dos fatores endógenos, para suas respectivas matérias exógenas. Controlando assim as mentes por uma falta de discursos opostos, e também pela proibição da exalação dos sentimentos e ideias contidas no mais íntimo das massas. Portanto, o nazismo foi um fenômeno criado por um determinado grupo, conduzido pela linguagem (além de privatizar a mesma) e se materializou levando o mundo ao maior horror do século XX.

Bibliografia

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. Editora Brasiliense – coleção primeiros passos, Brasília – Df, 1980.

HEGEL, Friederich. A Razão na História Uma Introdução Geral à Filosofia da História. Centauro Editora, São Paulo – Sp, 2° edição, 2004.

KLEMPERER, VICTOR. Lti - A linguagem do terceiro reich. Editora Contraponto, Rio de Janeiro – Rj, 1° Edição, 2009. ISBN: 978-85-7866-016-1.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophieus. Companhia Editora Nacional - Editora da USP, São Paulo - Sp, Vol. 10, 1921.

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* Aluno de graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi diretor de finanças do Centro Acadêmico Sérgio Vieira de Melo, Responsável pelas finanças da instituição, além de membro do corpo decisório. Co-fundador do Projeto Panorama, projeto esse que visa trazer o debate entre acadêmicos, políticos e empresários sobre os mais diversos assuntos. Atualmente engajado em um projeto de pesquisa na linha de:A identidade coletiva regional no sistema internacional contemporâneo: a América do Sul e os países árabes frente a nova ordem multipolar. Com foco da pesquisa voltado para: A participação da América do Sul na formação e reconhecimento do Estado Palestino.

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