Escrevi domingo um texto sobre o que eu considero ser uma impostura uma humilhação imposta ao Itamaraty, embora não descarte que alguns diplomatas por carreirismo ou por empolgação ideológica apóiem ou não vejam maiores constrangimentos na presença do Castro II, monarca socialista como hóspede na Granja do Torto, mas não é o único sinal de enfraquecimento da diplomacia na condução dos assuntos externos.
Paulo Roberto de Almeida, que é diplomata, mas também um pensador livre (e isso tem um grande preço, não duvidem) já havia notado o sumiço da Ucrânia até das Notas Oficiais do Itamaraty, nem as famosas notas instando os lados a cooperarem na solução pacífica.
Esse silêncio não combina com a altivez tão cantada em verso e prosa pelos áulicos governamentais e que encontra eco nos acadêmicos e nos jovens estudantes de Relações Internacionais. E dá margem para que se especule que não se fala no assunto para não irritar o parceiro de BRICS, como diria o mais afeito às troças no estilo “zueira, não tem limites”, para não deixar o Vladimir, Putin.
Mansueto Almeida, que é grande economista e bom observador político conseguiu sintetizar sua estranheza diante das posturas diplomáticas do Brasil, que transcrevo abaixo e retorno logo depois.
Diferença de postura
Mansueto Almeida
Nos últimos sete dias, o presidente dos EUA, Barak Obama, convocou entrevista coletiva para falar do ataque de terroristas ao voo MH17 na Ucrânia e sobre a crise entre Israel e Palestinos na faixa de Gaza.
Independentemente de concordamos ou não com aspectos da política de defesa e comercial dos EUA, o país tem um papel muito claro na defesa de suas posições e se alia com países com tradição democrática, apesar de o histórico condenável dos EUA no apoio de governos ditatoriais no passado, em especial, na América Latina.
No caso do Brasil, não vejo clareza na nossa política externa. O nosso problema parece ser pelo menos quatro. Primeiro, tem-se a nítida impressão que o país luta por um assento no Conselho de Segurança na ONU sem saber muito o que quer defender. O Brasil tem sido um defensor intransigente da democracia na América Latina? O país tem se destacado no âmbito mundial na defesa das minorias? Nos últimos anos, o governo brasileiro tem tido uma posição dúbia em relação a violação de direitos humanos na América Latina e o mesmo em relação aos grandes conflitos mundiais.
Segundo, o Brasil tem um corpo diplomático de excelente formação, o Itamaraty, instituição do Estado e do serviço público brasileiro que sempre foi respeitado pela sua qualidade técnica, desde a negociação de acordos internacionais até a solução dos conflitos militares, como aquele que opunha Peru e Equador há décadas e que foi solucionado com a assinatura do Acordo Global e Definitivo de Paz, no Palácio Itamaraty, em Brasília, em 26 de outubro de 1998. Mas, nos últimos anos, há uma percepção de leigos e de diplomatas aposentados que o Palácio do Planalto passou a ter um consultor que, muitas vezes, parecer ser uma voz mais ativa do que o próprio Itamaraty na definição estratégica da política externa do país. Essa percepção pode ser equivocada, mas existe.
Terceiro, a atuação recente do Brasil na América Latina tem sido marcado por uma atuação que parece muito mais ideológica do que voltada para defesa dos interesses do país. Há abundância de exemplos: a suspensão do Paraguai do Mercosul, a forma do ingresso da Venezuela no bloco, a ajuda financeira a Cuba, o tratamento dado à questão do Senador boliviano exilado na embaixada em La Paz e a posição dúbia brasileira em relação à crise política na Venezuela. De acordo com o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal: “…o governo brasileiro está fazendo uma opção pelo que há de mais atrasado e populista”.(clique aqui para ler a entrevista completa do senador a revista Veja).
Quarto e último ponto, tenho uma grande esperança que os esforços do Brasil em construir uma agenda comum com os demais países do BRICS tenha sucesso e que a criação do Novo Banco de Desenvolvimento tenha algum êxito. Sou cético quanto a isso e, no caso dos BRICS, não vejo o Brasil tomando à frente na defesa intransigente da democracia, direitos humanos e, no caso mais recente, condenação das ações da Rússia na Ucrânia.
Enquanto o presidente dos EUA condenava de forma clara o papel omisso da Rússia no episódio que levou à queda do voo MH17 na Ucrânia, a nossa presidenta fez uma declaração infeliz reproduzida nos jornais deste final de semana e desta segunda-feira:
“Tem um segmento da imprensa dizendo que este avião… que foi derrubado estava na rota da volta do avião do presidente Putin. Coincidia com o horário e com o percurso. Então, que o míssil poderia ser dirigido ao avião do presidente Putin”.
Por onde começar? O “segmento da imprensa” era a mídia russa que afirma também que os corpos poderiam estar lá há meses e a Otan poderia ter derrubado o Boeing para testar lealdades.
O que leva a presidente de 200 milhões de brasileiros a embarcar nesta canoa furada de propaganda? E por que, enquanto escrevo, três dias depois da tragédia, em meio à indignação do mundo civilizado, a líder da sétima economia do mundo não se sente compelida a expressar luto pelo massacre de 298 civis inocentes? Esqueçamos, por um momento, a estadista. A avó do Gabriel não tem ganas de dizer algo sobre as 80 crianças mortas no voo MH17” (ver Lúcia Guimarães, o meridiano do MH17 no Estado de São Paulo).
A impressão que tenho da política externa brasileira é que ainda há uma ênfase excessiva no discurso anti-americano dos tempos da guerra fria e uma excessiva leniência com atitudes não democráticas de governos Latino Americanos ou de alguns dos nossos aliados dos BRICS.
Vamos torcer para que o Itamaraty volte a ser mais relevante no desenho e na condução da nossa política externa e que o nosso empenho nas alianças com países em desenvolvimento dependa cada vez menos de questões ideológicas das afinidades do partido no poder.
Retomo. É o mesmo tema do texto de domingo, uma parceria estratégica (seja lá o que isso for) não necessita que se percorra a ‘extra-mile’. Sem ufanismos, nem patriotadas, mas um país como o Brasil precisa se dar ao respeito. Lúcia Guimarães (que não concordo quase nunca) colocou muito bem: “três dias depois da tragédia, em meio à indignação do mundo civilizado, a líder da sétima economia do mundo não se sente compelida a expressar luto pelo massacre de 298 civis inocentes”. Simples, assim.
Ninguém imagina que o Brasil vai ser instrumental na resolução dessa crise, nem que tenhamos interesses na região que nos leve a ter que participar, mas daí a embarcar na tese de tentativa de assassinato de Putin? Tomara que esses ‘lapsos’ sejam apenas contaminação temporária de política partidária e eleitoral e que em caso de reeleição sumam, mas acho que isso é wishful thinking, não é mesmo?
A coisa chegou a tal ponto que começo a sentir falta das notas automáticas que tanto crítico nesse blog e que sempre alerto para serem lidas com muita parcimônia e com o natural ceticismo em relação às versões oficiais.
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