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Cúpula dos BRICS IV: O comércio em moeda local, por Paulo Roberto de Almeida

cambio Um aspecto da retórica que emanou da cúpula dos BRICS recém terminada foi a eterna discussão de comércio bilateral em moeda local, sempre defendida para acabar com hegemonia do dólar, ou como dizem os entusiastas desse arranjo financeiro, para acabar com a hegemonia comercial estadunidense (minha aversão a esse termo é melhor explicada aqui).

Quase sempre os entusiastas dessa solução deixam de lado ou subestimam a questão da liquidez e do processamento dessas operações de comércio exterior, que é um sistema bem azeitado e construído pela necessidade prática dos países e dos exportadores.

Paulo Roberto de Almeida que é diplomata e alguém que me arrogo (com alguma vaidade) chamar de amigo manifestou sua visão, sempre embasada pelos anos de leitura sistemática e pela produção acadêmica profícua algumas inconsistências nessa visão, mais ideológica que prática. Abaixo um texto veemente e com pitadas de humor tão peculiares ao professor.

Contra a hegemonia do dolar: uso de moedas nacionais - o que pensar dessa coisa? Paulo Roberto de Almeida

Alguém aí falou em dispensar o dólar -- uma moeda certamente arrogante, que dispõe de um "privilégio exorbitante", como diria um francês -- e passar a usar moedas nacionais para as mais diferentes transações e investimentos, enfim, como um ativo como outro qualquer?

Ah, parece que foi num recente encontro em algum lugar deste nosso planetinha redondo...

Quando eu ouço certas coisas, vocês me desculpem, mas me dá um comichão, desses que ficam coçando no cérebro, eu me pergunto onde foi mesmo que eu ouvi a mesma coisa antes?

Ah, me lembrei: foi aqui mesmo, neste cantinho irrelevante de inteligência, neste quilombo de resistência intelectual contra certas ideias, as ruins e as más, as desajeitas e as feias...

Em 2009, vejam vocês, algum desses gênios da Unicamp deve ter falado novamente em comércio em moedas locais.

Eu logo saquei do meu coldre o meu Moleskine e uma caneta e anotei a sugestão; chegando em casa perpetrei essa peça de desatino que segue abaixo, e que por acaso encontrei hoje, no pré-cambriano deste blog (OK, foi um pouco mais tarde, foi no Ordoviciano, não importa).

Transcrevo novamente agora, sem sequer ler o que escrevi antes. Não devo ter mudado muito de ideias. Os outros é que continuam repetindo bobagens...

Paulo Roberto de Almeida

O grande retrocesso Monetário e cambial: comércio em moedas locais

Paulo Roberto de Almeida

18.06.2009

Existem coisas que escapam à compreensão de economistas, ou até de pessoas normais.

Refiro-me, por exemplo, à febre ou frenesi em torno do comércio internacional feito em moedas locais, ou seja, dispensando o dólar, que desde a Segunda Guerra Mundial converteu-se no padrão de referência e veículo efetivo da maior parte das transações monetárias, financeiras, cambiais e, sobretudo, comerciais no mundo.

Isso não impede, obviamente, que outras moedas sejam usadas, como é o caso do euro nos países membros da UE e entre esta e uma multiplicidade de parceiros. O iene, a libra e algumas outras moedas também são utilizadas para determinadas transações ou entre número seleto de países.

O dólar não foi imposto a todos os demais países do mundo por alguma medida de força, ou de direito, dos EUA. Trata-se apenas do simples reconhecimento da importância econômica dos EUA, da confiança que os agentes econômicos e os próprios países têm na sua manutenção como instrumento confiável, que responde aos três critérios básicos de uma moeda.

Não custa nada lembrar quais são:

1) unidade de conta

2) instrumento de troca

3) reserva de valor

Ponto. Apenas isso. Claro, toda moeda é antes de mais nada uma questão de confiança: se você acredita que aquele papel pintado possui efetivamente poder de compra, que você poderá utilizá-lo de diferentes formas, para as mais variadas transações, ao longo do tempo, isto é, preservando o seu poder de compra, então você decide, em total liberdade, utilizar aquele papel pintado. Se você não confia, faz qualquer outra coisa, mas se desfaz desse papel pintado que não merece a sua confiança.

Pois bem: o mundo demorou anos, décadas, para construir um sistema multilateral de pagamentos e um regime de trocas que facilite as transações entre os países, com o mínimo de restrições possível. O multilateralismo monetário, por imperfeito que seja -- posto que as autoridades monetárias americanas podem decidir dar um calote no mundo, deixando de honrar seus compromissos externos, com os compradores de títulos do Tesouro, por exemplo -- é o melhor sistema possível, pois permite que a mesma moeda seja usada com os mais diferentes parceiros em todas as transações que eles desejem, sem se amarrar em um instrumento único, como ocorria ainda com o bilateralismo estrito dos anos 1930, baseado em compensações diretas entre os países.

À luz destas reflexões, eu não consigo compreender como se deseja recuar do multilateralismo -- ou seja, da liberdade cambial e monetária -- para o bilateralismo, no qual só poderemos utilizar a moeda de um parceiro com esse mesmo parceiro.
Me desculpem os mais bem informados, mas não consigo encontrar nenhuma explicação racional para esse tremendo equívoco conceitual, para esse imenso retrocesso econômico, para essa servidão voluntária, como já disse um filósofo.

Será que a inteligência econômica está recuando no mundo, ou em determinados países?

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