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Cúpula dos BRIC – III: Um novo banco

Brics VI Governança, governança, governança. É só no que pude pensar quando ouvi a primeira vez que se pretendia criar um banco de fomento multilateral entre os países do BRICS e um Acordo de Contigência. Afinal, falamos aqui do ‘rico dinheirinho’ dos pagadores de imposto dessas nações, que será empregado. E dinheiro privado convertido em público pela via coercitiva dos impostos tem que ser muito bem gerenciado, ou pelo menos deveria ser.

A negociação para criação efetiva do Novo Banco de Desenvolvimento – NBD não foi fácil e nem poderia ser em se tratando de um compromisso concreto entre países tão distintos em ambições e poder.

O governo brasileiro estava pressionado por uma necessidade de mostrar algum resultado em Política Externa, onde ataques veementes são feitos ao período Dilma. A Rússia precisava demonstrar que não está isolado pelas sanções (pífias) de EUA e EU, assim ficou aberto o caminho para que a sede do banco fosse para o núcleo dos BRICS que é a China e ainda com a conveniente desculpa de que Xangai é um centro financeiro, “par excellence”, o que de fato pode sim ajudar a recrutar pessoal técnico para compor o quadro de funcionários desse banco e para que a presidência do Banco fosse para a Índia, o Brasil ficou com a presidência do Conselho de Administração e a Rússia com a presidência do Conselho de Ministros.

Para ser efetivo e proteger o dinheiro dos pagadores de imposto o NBD precisará de regras claras e de procedimentos de devida diligência e corpo técnico capaz de avaliar os projetos e as condições de pagamento dos proponentes. O ideal é que isso se faça com máxima transparência e que os critérios façam sentido político, social, ambiental, econômico, etc. e o acordo fala, de fato, em transparência e acesso a informações, mas é claro, resta observar como será a prática. E, dado o histórico dos países membros e a opacidade e o alto grau de intervenção política em decisões técnicas que conhecemos dos sócios do NBD será preciso muita atenção ao desenho institucional dado a esse banco e para isso é importante observar além das versões oficiais vendidas a nós.

Quando ao Fundo de Contigência, reproduzo aqui trecho de reportagem de Maria Arraes, no Valor Econômico:

“Os montantes anunciados para o acordo contingente de reservas, US$ 100 bilhões (China com US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e Rússia, com US$ 18 bilhões e África do Sul com 5 bilhões), são relevantes para a prevenção de crises de balanço de pagamentos nesses países? O acordo prevê que o acesso da China estaria limitado à metade do montante comprometido, e que Brasil, Índia e Rússia poderiam sacar até o montante total de seu compromisso, enquanto a África do Sul, o dobro. Os valores anunciados representam entre 3 e 4 vezes as respectivas quotas no FMI e no, caso brasileiro, menos de um quarto do déficit em conta corrente dos últimos doze meses.

A governança do Acordo Contingente Brics procura equilibrar as diferenças de tamanho e poder econômico dentro do grupo pois parte delas é por consenso. Se por um lado esse equilíbrio é positivo, por outro, pode levar a um engessamento do mecanismo em termos de sua evolução estratégica. Já a decisão sobre utilização dos recursos, por maioria simples do poder de voto dos países que estão fornecendo recursos, poderá resultar em assimetrias de poder dentro do grupo, principalmente a favor da China.”

É auto-evidente que o Banco e o Fundo existem como necessidade política de demonstrar a capacidade de ação e concertação do grupo BRICS e faz parte de uma política comum desse grupo, que é reformar as instituições de Bretton Woods para que reflitam o que esse grupo percebe como alteração estrutural na distribuição de poder no Sistema Internacional.

Mas, é um desenho oneroso para o Brasil que tem baixa poupança e capitaliza seu próprio banco de desenvolvimento (BNDES) com emissão de dívida, e isso deveria colocar a questão do Banco na ordem do dia da discussão política, contudo, a política externa é questão marginal no debate político, bem como assuntos técnicos, que são dragados ao maldito flaxflu do “petralha x tucano”.

Esse avanço institucional dos BRIC não pode mascarar que o grupo é nucleado pela China (70% do PIB do bloco) que tem laços fortes com todos os membros e os demais membros têm laços bilaterais bem frágeis e de perfil menor. E não há nenhuma iniciativa prática para dirimir isso, por exemplo, com medidas de livre comércio, aliás, isso explica o segundo plano que os empresários estão como bem demonstrou a postagem da Sophia Mesquita.

A boa gestão e a eficiência nos projetos de financiamento serão fundamentais para que os objetivos políticos do bloco sejam alcançados e para que o dinheiro dos pagadores de impostos seja preservado (uma vã esperança?). E esse desenho institucional e as regras de financiamento podem também demonstrar se há mesmo uma política eficaz de financiamento a projetos que seja tipicamente emergente ou se haverá uma adequação a modelos próximos dos praticados pelo Banco Mundial. Governança, governança, governança...

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