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Nigéria: Um sequestro, uma hashtag e algumas consequências #bringbackourgirls

MichelleObamaBringBackOurGirls O leitor habitué desse site sabe que vez ou outra me permito alguns textos mais emocionais, em geral, resultados de eventos de muita comoção, tragédias humanas que nos arrebatam por algum tempo. E essa expressão de luto ou indignação não pode é claro ser confundida com análises ou recomendações, afinal seria temerário, no mínimo. Por isso mesmo que políticas públicas não são formuladas em bases emotivas, embora sua comunicação possa ser emocional, como nos mostrou bem a Casa Branca essa semana.

O caso das meninas seqüestradas pelo Boko Haram é um desses que desperta indignação e ultraje em qualquer pessoa que tenha a mínima capacidade de empatia, nada deve ser mais aterrorizante que ser seqüestrado e ser vitima de crimes sexuais e possivelmente de tráfico de seres humanos. (Aliás, como escrevi em fevereiro há estimativas de que existam 29 milhões e 800 mil pessoas escravizadas no planeta, nos dias de hoje).

A situação das meninas, como era previsível, colocou a debilidade do governo de Godluck Jonathan, e as dificuldades das forças de segurança locais em lidar com a insurgência dos radicais do Boko Haram. A Nigéria é atualmente a maior economia da África, o que sugere que suas forças de segurança deveriam estar mais equipadas e treinadas para lidar com essas situações.

O drama humano das meninas e seus familiares (alguém consegue imaginar o que sentem sem ter passado pelo mesmo?) desencadeou enorme solidariedade das mais variadas correntes de opinião pública ao redor do globo, o que facilitou a oferta de assistência militar dos parceiros da Nigéria, como França, Reino Unido, EUA e China, sem que as vozes de sempre apontassem um suposto cinismo na ajuda que seria na verdade plano elaborado para tomar o petróleo do povo nigeriano, muito por que o principal destino desse petróleo seja a China, que não é o adversário natural desse grupo.

O presidente nigeriano enfrenta enorme pressão interna para resolver a questão são mais de duzentas famílias com uma ferida aberta de grande repercussão midiática. Tanto que ele recorreu a ajuda das forças americanas para auxílio na missão de encontrar e resgatar essas meninas.

A força enviada é composta por especialistas em operações especiais e negociadores, afinal, muito mais que prender ou matar esses terroristas a missão principal é resgatar com vida a meninas seqüestradas.

Essa presença americana em mais um vespeiro pode ser o que motiva a abordagem emotiva que a Casa Branca escolheu para comunicar sobre o tema, usando a habitual expertise em redes sociais da equipe de Obama e aproveitando a boa imagem da primeira dama, Michele Obama, que posou – com enorme repercussão – com um cartaz onde se lê a hash tag #bringbackourgirls

nigeria boko haram Boko Haram, ao contrário do que eu afirmei nesse blog, não significa “Educação ocidental é pecado”, Boko significa engodo ou trapaça, o que eles associam ser a educação nos moldes ocidentais, em sua região. Não é um grupo com ambições maiores que impor suas visões a força em sua região, mas são sim uma ameaça a estabilidade nigeriana, além de violadores cruéis dos Direitos Humanos. E a derrota de um grupo assim é sempre um avanço para a humanidade, mas tudo tem um custo.

Como vemos no mapa (ao lado) o grupo opera basicamente no norte e no nordeste da Nigéria o que levou o governo a decretar Estado de Emergência em três estados há um ano para combater o grupo insurgente, sem sucesso nesse intento.

Colocando-me no lugar de Obama e Kerry penso que deter o Boko Haram pode ser missão muito difícil, longa e com significativo custo humano e monetário, mas como ignorar um pedido de ajuda para salvar 200 garotas inocentes e um tanto do seu prestígio, ainda mais quando se coaduna com objetivo nacional declarado de combate ao terrorismo e num contexto eleitoral em que a debilidade do presidente em assuntos externos está em evidência?

Nesse contexto a abordagem emotiva (e com base real, afinal indigna sim, o sequestro) e um envolvimento cirúrgico parecem o mais racional a se fazer. Contudo, afirmou o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, a Voz da América:

"Our inter-agency team is hitting the ground in Nigeria now, and they are going to be working in concert with President Goodluck Jonathan's government to do everything that we possibly can to return these girls to their families and their communities. We are also going to do everything possible to counter the menace of Boko Haram,"

Uma declaração dessa parece sugerir um engajamento mais longo e mais custoso e nesse caso será que a abordagem emotiva não se tornaria uma fonte de críticas afinal uma vez havendo o resgate o apoio popular para a operação será diminuto. Mas, que tragam de volta nossas garotas.

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