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Eleições européias

UESEDE As eleições para o Parlamento Europeu são um dos assuntos mais fascinantes para serem observados nesse experimento ambicioso de supranacionalidade que é a Europa Unificada.

Foi um verdadeiro terremoto político, como classificou nosso correspondente Márcio Coimbra, em sua coluna no BrasilPost (cuja leitura é recomendada, sempre), pois escancarou a descrença com o sistema político atual. Ou como assevera o analista no referido artigo:

“Somados todos os fatores, a Europa sabe que está diante de um barril de pólvora. Os partidos anti-União Europeia cresceram, mas ainda não desafinam o concerto europeu, entretanto, mostraram seus músculos. Sua bancada chegará a 25% do parlamento, um crescimento de praticamente 100% desde o último pleito. Sua força, entretanto, ainda não pode influir nos destinos do continente. A maioria ainda é dos pró-europeus, somando-se centro-direita, centro-esquerda e liberais. Mas tudo indica que a turma opositora, que também guarda suas diferenças internas, chegou pra ficar.

O recado dado aos partidos tradicionais foi claro. A paciência do eleitor se esgotou juntamente com o fim da bonança oriunda de Bruxelas. Com a crise e os necessários ajustes, a vida fácil de grande parte da Europa também entrou em sinal de alerta. Com o fim da farra, ganham força os partidos nacionalistas, que culpam a União Européia pela situação de crise em que vivem, com o Syriza, uma esquerda radical anti-austeridade que venceu as eleições na Grécia. Os ingleses não querem os búlgaros usando seu sistema de saúde. Os franceses querem trabalhar somente 35 horas na semana e se aposentar mais cedo. Ninguém quer abrir mão de polpudos e longos benefícios de seguro-desemprego. Todos querem bolsa para estudar. Os alemães cansados de bancar a festa. As reclamações não tem fim. Percebe-se que os europeus estão realmente muito mal acostumados.”

Nikolaus Blome na versão em língua inglesa da revista alemã Der Spigel nos lembra de uma faceta que não pode passar despercebida:

“For the first time in the European Union's history, the major parties in the European Parliament launched top candidates who campaigned for the job of European Commission president and gave stump speeches across much of Europe in an experiment that affected more than 400 million voters.

The aim of creating the leading candidates was to establish a central feature in what are essentially national elections and also the personalization of the campaign and the intensification of the election on television. The hope had been that voter participation would increase enough on Sunday to hold the right-wing populists at bay in most countries.

The experiment didn't work as many had hoped it would.

Jean-Claude Juncker campaigned on behalf of the conservative Christian Democrats and Martin Schulz for the center-left Social Democrats. Both candidates took on the task of creating a truly European election to the point of exhaustion. Throughout, they had to tackle a number of small and large adversities that at times put them under great strain.”

O processo europeu parece ter crescido e passado a ser um processo dos povos, e isso quer dizer que o humor dos eleitores vai determinar muito de seu andamento, mais que as considerações estratégicas dos diplomatas ou burocratas e essa transição não será fácil, ainda mais por causa do desenho que Márcio nos mostrou. Ainda mais, por que é natural que em épocas de crise as pessoas se apeguem ao que o professor e consultor (e meu colega no IR.wi) Rafael Duarte chama de “paradigma do pirão”, ou seja, farinha pouca o meu primeiro, em outras palavras nesse cenário de crise as identidades locais e uma desconfiança ao externo tendem a ecoar nos eleitores, seja em Portugal ou Grécia (que sofrem com ajustes austeros) ou na Alemanha (que sente pagar a conta pela irresponsabilidade alheia).

Essa sensação de impasse e de chamado a reflexão, foi muito bem captado por Francisco Seixas da Costa, um diplomata que dedicou sua carreira a causa européia e que faz uma leitura serena (aqui) dos resultados da eleição européia e que transcrevo a seguir.

“Terá a Europa sabedoria para parar e refletir sobre o que aconteceu nas recentes eleições europeias? Terão as suas instituições suficiente elasticidade estratégica para poderem acomodar mudanças à altura dos desafios limite com que está confrontada? Terão as suas lideranças capacidade para pilotarem um processo de reorientação que ainda salve o projeto europeu?

Não sou dado a alimentar premonições catastróficas, mas tenho a sensação, porventura exagerada pelo impacto do passado fim de semana, de que o projeto europeu volta a atravessar um dos seus tempos mais delicados. Já tivera um desses períodos, a partir do momento em que a crise financeira se desencadeou, quando descobriu, com patética surpresa, que não dispunha de mecanismos para acorrer à assimetria diferenciada das situações que tinham ocorrido no seu seio. Agora, o desafio é outro, embora decorrente do anterior. A Europa é confrontada com tensões nos seus variados equilíbrios nacionais que revelam que se instalou, numa maioria dos seus cidadãos, uma desconfiança muito profunda sobre se o projeto de integração responde aos seus anseios ou se não é, ele próprio, fautor do problema. E o facto dessa atitude assumir formas e modelos muito diversos, numa cumulação perversa de agendas nacionais de preocupação, agrava a minha interrogação sobre se a Europa, enquanto estrutura funcional, terá hoje mecanismos para poder responder, de forma eficaz, a esse imenso desafio.

“What went wrong?” titulava, há anos, um livro sobre o curso da civilização árabe. Definitivamente, e se queremos ser práticos, temos de deixar-nos de discursos grandiloquentes e passar a uma “desconstrução” fria das razões deste mal-estar, do que “correu mal” e porquê, sem subscrevermos necessariamente as teses eurocéticas, mas igualmente sem nos deixarmos embalar pelas sereias do politicamente correto bruxelense. Há uma diversidade nacional de situações a atender, mas parece haver alguns elementos comuns que lhes estão na génese.

Sem pretender simplificar, neste curto espaço, uma realidade muito complexa, quero crer que foi o excesso de ambição que prejudicou a Europa. Ambição em queimar etapas no aprofundamento das suas políticas, sem atender suficientemente à sua imensa diversidade interior, sem cuidar em instalar previamente mecanismos compensatórios à altura da dimensão do projeto. Ambição em colocar sob a pressão da globalização, económica e humana, um tecido económico muito desigual e com tradições culturais díspares e frequentemente contraditórias. Ambição em querer responder estrategicamente, com alguma precipitação temporal, à demanda gigantesca que o alargamento ao seu Leste representava. Pode não ser popular afirmar as coisas assim, mas acho que chegou o tempo de olharmos de frente a realidade.

E como a História não admite becos, temos rapidamente de criar uma saída para este impasse.”

A Europa Unida começa a compreender a grandeza dos problemas de uma democracia multinacional: assimetrias econômicas e de expectativas, diferentes maneiras de entender os temas, aventureiros políticos, anti-políticos, temas e brigas nacionais seqüestrando temas europeus. Mas, acima de tudo sente o peso do gigantismo de sua ambição que agora requer liderança a altura, que refreie a tentação nacionalista. O cenário não é apocalíptico, mas difícil não prever dias conturbados a frente, para o projeto europeu.

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