Quem gosta de pagar impostos? Eu sempre me sinto usurpado em meu trabalho e esforço quando arco com minhas obrigações fiscais, faço contrariado, mas a mão visível do estado é pesada com quem sonega – parece que mais branda com quem sonega muito – e sempre que se expressa essa contrariedade com o pagamento de impostos surge uma dessas almas caridosas, sempre dispostas a fazer caridades com o dinheiro alheio, tentando fazer uma verdadeira guilty trip sobre como impostos bancam os serviços sociais que os mais pobres necessitam para sobreviver no contexto do capitalismo cruel.
Não é que se ignore que os impostos são o eixo principal do contrato social que é a base da nossa civilização, isto é, impostos bancam o estado.
O Estado foi ganhando, ao longo da história novas atribuições como saúde, educação e se aventurou por campos mais complexos como sistema bancário e outros, tudo isso sustentado pela renda retirada da sociedade, é em certa medida uma boa troca, se abre mão de algum dinheiro para se ter segurança, ruas e avenidas, subsídios que permitam construção de redes de esgoto, energia, telefonia, escolas públicas, hospitais, etc.
O problema é que os impostos têm efeito sobre a economia e criam estímulos e desestímulos a ação privada dos cidadãos e das empresas. Mansueto Almeida, pesquisador do IPEA e economista influente nos lembra como a estrutura de impostos pode estimular a ação privada em seu texto ‘Por que os bilionários americanos são tão bondoso?’, que transcrevo abaixo. (Original aqui)
“Bilionários aceitam doar metade de suas fortunas, esse é o titulo de uma matéria de hoje no Valor Econômico e em vários outros jornais, sobre a decisão de quarenta bilionários americanos que prometeram doar no mínimo 50% das suas fortunas para instituições de caridade, como parte de uma campanha filantrópica liderada por dois dos homens mais ricos do mundo, Warren Buffett e Bill Gates.
A pergunta chave é a seguinte: por que os ricos americanos fazem isso e os ricos do Brasil e América Latina não fazem?
(1) Primeiro, a reposta nada tem a ver com o fato do país ser ou não desenvolvido. Os ricos do Reino Unido como no Brasil são mão fechadas e não gostam de fazer filantropia. Na verdade, no Reino Unido, os 10% na base da pirâmide doam o equivalente a 3% da sua renda anual, enquanto os 20% mais ricos doam apenas 0,8% da renda anual. No total, os britânicos doam como proporção do PIB algo como 0,73% do PIB (2006), menos da metade do que os cidadãos americanos (1,7% do PIB no mesmo ano). – ver esses dados aqui.
(2) Segundo, a resposta também não tem a ver com o fato de os americanos serem mais bondosos ou terem maior responsabilidade social do que os ricos brasileiros. Os ricos americanos fazem isso por que são estimulados a fazerem pela estrutura tributária. Em geral, há um imposto sobre patrimônio nos EUA que alcança uma taxa marginal de 55% acima de determinado valor deixado como herança para os seus descendentes (ver aqui como funciona o estate tax nos EUA).
Por exemplo, se uma pessoa com patrimônio de US$ 3,5 milhões morre nos EUA e tem dois beneficiários, eles poderão abater no máximo US$ 2 milhões e sobre o restante (US$ 1,5 milhão) incidirá um imposto de herança de 46% ou US$ 690 mil. Assim, cada herdeiro receberá US$ 1 milhão isentos e mais uma parcela de US$ 405 mil já descontados os impostos. No total, os dois herdeiros terão pago US$ 690 mil de impostos, equivalente a 19,7% da herança.
Quanto mais rico maior será a mordida do leão americano. No entanto, as doações que esses ricos fazem em vida para fundações (na verdade é uma promessa de doação futura chamada “Lifetime Legacies”) podem ser abatidas da parte tributável da herança e o ganho de capital que incide sobre essa parcela do patrimônio terá deduções de imposto. Além do mais, até a sua morte, o proprietário continua usufruindo do seu patrimônio “doado” com isenção.
Esse tipo de mecanismo tributário não existe no Brasil nem que eu saiba em outros países da América Latina e nem tão pouco no Reino Unido. Assim, os americanos não são mais bondosos do que os brasileiros, as regras tributárias levam a isso e os ricos americanos preferem decidir em vida de que forma o seu dinheiro será utilizado para caridade ao invés de deixar essa tarefa para o governo (via imposto sobre herança).
No Brasil, há algum tempo atrás o economista Samuel Pêssoa (IBRE-FGV) se debruçou sobre essa literatura e tem uma interessante nota técnica e uma apresentação em power point sobre o assunto. No Brasil, os partidos de esquerda poderiam promover esse debate que não tem nada a ver com imposto sobre fortuna.”
O sistema tributário americano ao “punir” o sucesso familiar com um elevado imposto sobre a herança, acaba estimulando que esse dinheiro retorne a sociedade e crie legados de elevada importância social, essas fundações são grandes financiadores de hospitais e universidades de excelência, suas bolsas de estudo há gerações formam recursos humanos de altíssima qualificação ao redor do mundo, pois sempre existem bolsas para estrangeiros, minorias e claro top students.
Muitos economistas desvalorizam os herdeiros que vivem da renda de seus ascendentes, mas não comungo completamente dessa idéia, antes de tudo, por que é justo que uma família se beneficie das suas escolhas corretas e aqui nem falo dos grandes bilionários, mas da classe média que consegue construir um patrimônio para que seus filhos possam desfrutar de uma vida mais confortável, desse modo é preciso sim debater o imposto sobre heranças no Brasil, mas temo que o debate crie em algum momento apenas mais uma fonte de renda para o Estado, que apresenta resultados tão insatisfatórios.
O Brasil que eu gostaria de viver é um Brasil onde os individuos têm mais autonomia e com estímulos corretos – e, claro, uma legislação que impeça que se criem fundações de fachada apenas para evadir os impostos – essa autonomia pode ter grande relevância social. É estranho pensar e escrever que talvez nesse contexto isolado mais impostos leve a menos estado. E isso sim é uma boa herança.
Comentários