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Acordo Sino-Russo: uma lição de J.D. Rockefeller

“The way to make money is to buy when blood is running in the streets”

John D. Rockefeller

China Russia

A visita de Putin a China se seguiu a controversa anexação da Criméia e teve um significado claro, um recado para o ocidente, a Rússia é grande demais pra ser contida. Ou, pelo menos, esse é o spin positivo que a diplomacia russa vai propagar.

O grande resultado dessa visita foi a assinatura do contrato de fornecimento de gás entre a russa Gazprom e CNPC chinesa, os número e condições do acordo ainda não foram feitos públicos, mas a história dos acordos de petróleo e gás da China nos sugere que os termos foram favoráveis ao dragão.

Muito se escreve sobre a dependência européia do gás russo, mas é preciso lembrar o óbvio, se a Rússia é o principal fornecedor europeu, a Europa é o principal cliente russo e paga preços elevados por esse gás.

Ao final do século XIX, o executivo Thomas Alexander Scott era o presidente da maior empresa do mundo, uma ferrovia, que sentia os efeitos da crise desencadeada pela estagnação do crescimento pós-Guerra Civil nos EUA, que diminuiu a necessidade por transportes de produtos. O visionário – e, para muitos, cruel – empreendedor do petróleo J.D. Rockefeller, estava a consolidar seu monopólio do petróleo e precisava de um modal logístico para escoar sua produção e, assim, pressionou Scott para conseguir preços de frete muito favoráveis.

Scott que era homem de negócios experimentado e estrategista testado na Guerra Civil, logo percebeu a dependência de Rockefeller do transporte ferroviário. E, logo, arregimentou outros donos de ferrovia e tentou pressionar Rockefeller. Ao melhor estilo do que a Rússia já fez com o fornecimento de petróleo.

Rockefeller era um homem que não gostava de perder e era, também, um empreendedor e por isso procurou uma solução para a dependência que tinha diante das ferrovias, assim nasceu o sistema de oleodutos que acabou quebrando Scott.

A China tem uma pluralidade de fontes de gás e petróleo e o preço pedido pela empresa russa sempre foi obstáculo e principal motivo para 10 anos de negociações para que esse acordo fosse alcançado.

Não é difícil perceber que as conseqüências da anexação russa da Criméia seriam graves e fatalmente afetariam economicamente os russos, a necessidade de segurança percebida por Moscou acabou prevalecendo e agora é hora de recompor alianças e escapar do isolamento, mas há um custo para isso.

Como bem coloca Sarah Lain no The Diplomat:

“As discussions went on, time began to run out for Russia. It is likely that the deal involved concessions to China to prompt it to sign, particularly given that over the last ten years, China has strengthened its position in the gas market. China has funded and built a pipeline system supplying itself with gas from Turkmenistan via Uzbekistan and Kazakhstan. In March 2014 China agreed to add a fourth branch to this system running through Tajikistan and Kyrgyzstan. LNG projects due to come online in Australia, and the prospect of LNG exports from the U.S. and Canada, give Beijing additional options. And for the long term, China is beginning to explore its own shale gas resources.

Russia’s authority in the gas deal discussion has diminished in light of events in Ukraine. The discussions that clinched the deal were unlikely to be on equal terms. Moscow’s fomenting of separatist activities in Crimea and Eastern Ukraine is a cause for concern in China, as it struggles with its own internal movements for autonomy or independence in regions like Tibet and Xinjiang. Further, Russia’s use of gas supply as a geo-political pressure tool on Ukraine raises questions about its reliability as a supplier.”

É significante que Rússia e China assinem agora esse acordo, mas não é o momento de coalização “anti-imperialista” que muitos, especialmente os mais empedernidos adeptos do “outromudoépossivel”, tanto sonham, nem é um movimento emergente. É uma união altamente calcada no interesse nacional e empurrada pela conjuntura.

A China mostrou senso de oportunidade em garantir mais fornecedores de energia que tanto necessita e com condições favoráveis, talvez tenha inconscientemente se válido do aforismo atribuído a Rockefeller que diz que a “hora de comprar é quando sangue é derramado nas ruas”.

O fato é que a tomada da Criméia colocou os russos contra a parede e nos braços chineses. A Rússia percebeu que sua arma geopolítica, também está apontada para Moscou e que essa dependência é, sim, mútua. Uma lição imortalizada por Scott.

Por hora o acordo Sino-Russo é um arranjo mutuamente satisfatório, mas por quanto tempo?

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