A Associated Press – AP publicou hoje uma reportagem (versão publicada pelo Washington Post, em inglês e aqui na Exame, em português) que, não tenham dúvidas, vai incendiar o debate político nas redes sociais e será o assunto da América Latina, talvez, apenas abaixo da repressão venezuelana. Trato da reportagem que revelou uma operação secreta de fomento da democracia levada a cabo pela USAID que em nada fica devendo as operações clandestinas da CIA.
A operação ZunZuneo foi uma tentativa de insuflar e acelerar a difusão de informações de modo a enfraquecer a máquina de propaganda e repressão do governo totalitário, do Partido Comunista Cubano. A idéia central era burlar o bloqueio a internet pelos censores dos irmãos Castro se valendo de uma rede social móvel baseada em mensagens de texto.
Para isso foi necessária a obtenção (ilegal, por sinal) de números de telefones móveis cubanos, que foram providenciados por um dissidente, que disse a AP, que não sabia que deu a pessoas que eram ligadas ao governo dos EUA, mas que faria o mesmo se soubesse. Esses números serviram de base para o início do serviço, que segundo os memorando obtidos pela referida reportagem as mensagens deveriam ser sobre esportes, músicas, eventos climáticos extremos e piadas que não deveriam ser politizadas até que a rede tivesse uma massa crítica suficiente para que pudessem ser efetivos, além disso, a rede também permitiria a troca livre de mensagens entre cubanos a baixo custo, já que as taxas praticadas pela estatal cubana de celulares são elevadas e, portanto, proibitivas para a maior parte dos cubanos.
A reportagem narras os esforços dos responsáveis pelo programa em criar uma trilha que levassem quem investigasse as empresas envolvidas com o ZunZuneo para longe dos EUA, mas também demonstram como os gestores da USAID tentaram encobrir o programa da supervisão parlamentar e de como a maneira como gerenciado exibiu um tipo de comportamento típico de agências de inteligência.
O problema com isso é que os programas da USAID são primariamente voltados para a assistência para o desenvolvimento e para isso dependem que os países anfitriões permitam a sua presença, usar um programa de cooperação internacional para fins anti-sistêmicos não é novidade, mas causa problemas, tanto que a própria agência americana tem protocolos de proteção em lugares sensíveis e governos não-cooperativos ou hostis.
A operação não frutificou em seus objetivos por que não conseguiu fonte de financiamento que tornassem a operação sustentável e por que subestimaram a sofisticação da contra-inteligência cubana, que foi capaz de perceber a ameaça e reagiu como sempre faz, censurando rapidamente.
Cuba é a mais longeva e mais sanguinária ditadura do continente, mas ocupa um espaço grande no imaginário romântico dos coletivistas revolucionários e por que tem essa aura de rebeldia supostamente antiimperialista a repressão e o cerceamento da liberdade levado a cabo pelo regime é sempre relativizado e as críticas são descartadas geralmente com palavras de ordem do tipo “neoliberal”, “colonizado”, etc. Mas, nada disso pode mudar a essência de uma ditadura que é o arbítrio e a violência, ou como explicitou Mao Tsé-Tung: “O poder político deriva do cano do revólver”.
A operação descrita na reportagem mostra como uma operação de inteligência pode falhar miseravelmente e ainda no processo ter gerado ganhos financeiros para o regime que se pretendia derrubar, além de servir de munição para marcar qualquer dissidente como agente estrangeiro, a eterna desculpa dos totalitários para extirpar direitos de expressão, liberdade e até mesmo a vida de dissidentes.
Revela ainda o tamanho do impacto das redes sociais na difusão de idéias conhecimentos e como essas redes podem ser usadas e manipuladas e não tenham dúvidas todas as correntes de opinião e regimes estão na web difundindo seus interesses e como nos ensina esse caso real usando true believers que acreditam na causa da democracia e liberdade para o povo cubano, mas não necessariamente gostariam de se envolver numa operação clandestina do governo americano para esse fim.
A operação falhou, mas ficou uma lição para nós observadores da vida internacional que mais uma vez mostram como estava errado Krugman e seu famoso deslize (que por sinal ele tenta explicar aqui) de que a Internet não teria impacto maior que o dos aparelhos de fax e não se pode ignorar as relações entre fluxos de conhecimento e a interação social e a formação de correntes de opinião transnacionais que pareciam até pouco tempo construtos teóricos de difícil visualização.
Antecipo a sensação de estranheza que terei ao constatar que na semana que se lembraram os cinqüenta anos do golpe de estado que introduziu uma ditadura militar de 21 anos no Brasil, muitos dos meus compatriotas se levantarão indignados na defesa de uma ditadura.
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