Nós analistas, em vias gerais, temos gasto uma considerável parte de nossas falas e escritos para tentar evitar que se confundam as crises vividas pela Venezuela e pela Ucrânia que certamente possuem diferenças marcantes. Mas, há um elemento de semelhança no gérmen das duas crises, que é a insatisfação com a ingerência externa consentida pelo governo. No caso venezuelano é a interferência cubana, notadamente nos meios militares, nas decisões do governo. E no caso ucraniano foi a submissão do governo as estratégias de segurança russas que não aceitam laços institucionais mais profundos com organismos da Europa Ocidental.
Nos dois casos a justificativa pra ingerir nos assuntos e destinos de outra nação soberana é o risco da ingerência por parte de outra potência. A Rússia anexou a Criméia por que acusa o novo regime ucraniano de ser títere de Washington e Bruxelas. E na Venezuela a ingerência cubana é articulada em termos de cooperação e anti-imperialismo.
A deputada cassada pelo regime bolivariano Maria Corina Machado em entrevista ao Roda Viva (íntegra no vídeo abaixo) colocou como a questão da ingerência é catalisadora da oposição ao regime:
“Primeiramente, é preciso dizer que a intervenção estrangeira na Venezuela, que é o que repudiamos, é a forma como a soberania venezuelana foi sendo entregue progressivamente a outro país. E me refiro precisamente a Cuba. A forma como o governo cubano foi penetrando nas instituições venezuelanas desde os órgãos de segurança, de inteligência, os cartórios, os registros mercantis, até as hidrelétricas, as subestações elétricas da Venezuela têm a presença de funcionários do governo cubano. Mais ainda, as Forças Armadas venezuelanas. Eu lhe pergunto: como você se sentiria se nas Forças Armadas do Brasil existissem militares cubanos dando ordem a seus generais, oficiais ou soldados? Se há algo que nós venezuelanos rechaçamos, repudiamos, é a interferência de outro governo, ao qual o sr. Maduro dá de presente 12 bilhões de dólares ao ano, indispensáveis para que este regime subsista, enquanto os venezuelanos não têm comida, remédios ou gás em suas casas.” [Grifo Nosso]
No caso da Ucrânia a situação é ainda pior no ponto de vista de como a crise é vista e manipulada pelas potências estrangeiras, uma vez que Moscou e Washington vêm os ucranianos como peões em seu tabuleiro, a vontade do povo é um pixel perdido na “Big Picture”, mas os ucranianos têm conseguido fazer de seus limões, limonadas e vão instrumentalizando interesses estrangeiros para tentar avançar suas agendas e por isso a situação é tão difícil de analisar.
Curioso é como os militantes na internet entendem a questão. Os defensores do ‘outro mundo possível’ são declaradamente anti-imperialistas e anti-americanos e curiosamente são grandes entusiastas da intervenção estrangeira desde que não seja do chamado bloco ocidental.
Não é difícil imaginar porcos afixando nas portas dos celeiros por toda a Internet teses em que se lê: “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros” e as ovelhas virtuais bradando: “Imperialismo bom, imperialism bad”.
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PS: É recomendável a leitura dos seguintes artigos. La mano de Cuba en una Venezuela en crisis, do jornalista e dramaturgo Ibsen Martinez. E a entrevista do ex-colaboracionista chavista e atual procurado pelo regime, general Antonio Rivero, ao Telegraph.
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