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Pensamentos sobre individualidade e egoísmo, por Rafael Falcão

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Compartilho com vocês um interessante ensaio de Rafael Falcão, nosso futuro, correspondente na China, que numa ironia geográfica nos manda de lá uma reflexão sobre individualidade.

Pensamentos sobre individualidade e egoísmo

Por Rafael Falcão

Ouço e leio por aí tanta gente criticando o individualismo, exortando que vivemos numa comunidade, portanto temos de dar muito mais importância ao que chamam de "bem comum" e não pensarmos apenas nos nossos interesses.

Então quando peço para definirem o que chamam de individualismo, basicamente é pensar apenas em si mesmo sem avaliar as consequências de nossas ações nas outras pessoas. Realmente se trata de uma das possíveis definições desta palavra. Segundo o dicionário Michaelis Online, individualismo é: 1 Posição de espírito oposta à solidariedade. 2 A capacidade de poder existir separadamente. 3 Existência individual. 4 Teoria que fez prevalecer o direito individual sobre o coletivo. A língua é algo mesmo traiçoeiro, muitas vezes chamamos com um mesmo nome  ideias diametralmente opostas, contraditórias ou que abrangem significados positivos e negativos, ou seja, ao mesmo tempo que é algo oposto à solidariedade, é também a capacidade de viver separadamente. Neste caso em particular, me causa muita confusão chamarem individualismo de enxergar apenas o próprio umbigo. Vai muito além disso. A primeira definição, a meu ver, se parece mais com a de egoísmo.

Egoísmo: 1 Qualidade de egoísta. 2 Amor exclusivo de sua pessoa e de seus interesses. 3 Conjunto de propensões ou instintos adaptados à conservação do indivíduo. 4 Comodismo. Eis aí uma definição clara e bem precisa de um tipo de sentimento, sem necessidade de abranger outras ideias que pouco tem a ver, excetuando o ponto 3, mas que mais diz a biologia que à filosofia ou sociologia.

Acho importantíssimo darmos nomes diferentes a capacidade de vivermos através de nossos próprios esforços e respeito a cada pessoa como sendo uma pessoa única do conceito de amor exclusivo de sua pessoa e de seus interesses, afinal é bastante possível uma pessoa ser independente e não ser egoísta.

Cada pessoa é única, não é questão de opinião, é um fato. Mesmo gêmeos univitelinos criados juntos podem ter características psicológicas bem diferentes, um calmo e outro agitado, um trabalhador e outro preguiçoso, um mais sociável e outro mais introspectivo. A meu ver, eliminar essas diferenças e classificar um grupo de pessoas como povo, como determinada classe social, ou qualquer agrupamento, é deveras injusto e talvez perigoso.

Agrupar tem como por objetivo separar elementos que possuem uma qualidade de outros que não possuem esta qualidade, ou seja, sou brasileiro tal qual todos os outros que nasceram neste território chamado Brasil, assim como meu vizinho é um argentino porque nasceu no território da Argentina, ou seja, o denominador comum é o nascimento em determinado território. Mas uma pessoa é muito mais que apenas brasileiro, roqueiro, fã de futebol, advogado ou qualquer outro grupo em que esteja inserida, ela tem seus próprios anseios, seus próprios sofrimentos, suas próprias expectativas. Claro que somos seres, por natureza, sociais e necessitamos de pertencer a grupos, mas somos muito mais que membros indistintos, por isso considero como injusto.

Por mais que trabalhe e se esforce, um professor não pode abrir a cabeça de um aluno com uma chave e depositar um conhecimento, mesmo que esse professor conheça técnicas de lobotomia, se o aluno não fizer por si mesmo o esforço de tentar processar o conhecimento para buscar o sentido e a lógica dele, o conteúdo entrará por um ouvido e sairá pelo outro. No Livro dos Espíritos, de nosso caríssimo Codificador, vários irmãos reiteram o papel do esforço do indivíduo como primordial para sua elevação. Gosto muito da analogia de que livros e mestres são como placas em uma estrada: apontam-nos o caminho, mas nossos pés é que nos fazem chegar ao destino. Claro, sem contarmos com a possibilidade de pegarmos uma condução.

A existência e o livre arbítrio são os maiores presentes que nos deu a Divindade. Existimos, portanto podemos sentir, amar, sofrer. E o livre arbítrio é a permissão divina para escolhermos como amar, sentir, sofrer. Ora, Ele não criou uma massa de autômatos, mas sim seres únicos com vontades próprias.

E por quê é perigoso que nos classifiquem apenas como um grupo indistinto de pessoas? Temos mesmo necessidades e vontades que são comuns a todos, mas há um limite, pois há sempre alguém que define o que é o melhor para um grupo, os líderes, que chamam de "bem comum", quando muitas vezes são as vontades individuais destes líderes disfarçadas de vontade do grupo. Ou mesmo que o líder aja de maneira bem intencionada e queira mesmo o melhor para seu grupo, o excesso de uniformização de necessidades e vontades permitidas tem um nome: tirania. Viver sob o jugo de um déspota bem intencionado, como dizia um escritor, talvez seja pior que viver sob um barão do crime, pois o último pode ter sua ganância saciada por algum momento e relaxar os grilhões dos escravos, enquanto o tirano bem intencionado vai oprimir e conseguir descansar sua cabeça no travesseiro tendo a consciência limpa de alguém que faz o bem. Obviamente que é impossível uma liberdade total, mas liberdade implica não apenas agir como bem entender, também cabe sofrer as consequências de seus atos. Por isso que para além dos direitos, existem também os deveres, a cada ação, como nos diz uma das leis de Newton, há uma reação.

Como definir os limites da liberdade? Muitos pensadores durante toda a história da humanidade debruçaram-se sobre tal pergunta. Um deles, particularmente brilhante, deu-nos uma solução bem simples: não fazei aos outros aquilo que não quereis que não vos façam. É muito simples, porém creio que todo código de leis moderno se baseia nesta máxima, que ao mesmo tempo que protege o indivíduo de outro indivíduo, também protege o indivíduo de uma tirania de um grupo. Vejam que a máxima não diz "não fazei aos outros aquilo que não quereis que não vos façam, desde que não seja para o bem comum". Muito se fala hoje em direitos de minorias, mas como segundo a notável escritora Ayn Rand, "a menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias."

A maior das virtudes, segundo nosso Mestre, é a caridade, pois fora dela não há salvação. A noção de caridade é perfeitamente compatível com o individualismo, afinal quando ajudamos ao próximo, primeiro que, de acordo com as leis Divinas, o bem é sempre recompensado. Segundo, já que somos seres sociais, se ajudamos a melhorar a condição de um irmão, por conseguinte ajudamos a desanuviar pelo menos um pouco o clima geral da sociedade a qual fazemos parte, tornando mais agradável a convivência nesta.

Já o egoísmo é uma espécie de individualismo de visão imediata: posso prejudicar alguém para conseguir uma vantagem, mas até que ponto essa vantagem é duradoura? Pode ser um pequeno ganho agora que vai levar a uma perda considerável no futuro, como uma criança que se empanturra de doces mas que logo vai ficar com os dentes rotos e não poder mais desfrutar desses doces por um bom tempo.

É importante que saibamos distinguir bem o ser independente do ser egoísta, de desejar o melhor para os outros e ajudá-las no que for preciso, mas deixando-os livres para escolherem a maneira de como melhorarem-se, assim como para sofrerem as consequências de suas ações, sejam elas boas ou más, com o fim de galgar mais um degrau na escala evolutiva.

Comentários

Unknown disse…
Parabéns! Gostei do artigo. É preciso separar as coisas. Ter personalidade própria é direito e dever de cada indivíduo, senão cadê a sua contribuição individual para a evolução da espécie e também a espiritual,
sua e a dos outros?

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