Nas páginas desse Coisas Internacionais tento gerar meu próprio conteúdo em parte por que creio firmemente que é na autopublicação que reside a maior força da mídia blog, mas também por um toque de vaidade e claro com responsabilidade para não disseminar desinformação e nem “queimar meu filme” se me permitirem ser totalmente franco.
Não raro acabo por transcrever textos aqui que complementam o esforço de reflexão e aprendizado público que é esse blog e são textos que considero importantes não só como subsídios para meu próprio pensamento, como fomentam a discussão informada acerca das coisas do mundo. E em alguns casos são textos que transcrevo com consternação por não ter sido capaz de formalizar essas análises com a fluência e capacidade dos autores. Às vezes isso é por falta de formação técnica para isso, como nos textos do Masueto, outras por faltarem as fontes de informação privilegiadas como nos textos do Stratfor, ou também por faltar em mim o rigor nos estudos e a produtividade invejável do Paulo Roberto de Almeida ou o estilo elegante e o conhecimento profundo do Francisco Seixas da Costa.
O texto que separei nessa oportunidade é uma análise da Política Externa Brasileira feita com serenidade por Francisco Seixas da Costa, que por já ter sido embaixador lusitano em nossas terras conheceu bem a política brasileira. Sua perspectiva é interessante e em certos aspectos se coaduna com a minha, embora ele expresse com elegância literária e encadeamentos lógicos que ainda não possuo.
Por Francisco Seixas da Costa
O "Público" insere hoje um artigo de Adriana Erthal Abdnur sobre a política externa brasileira, que julgo deveria merecer alguma reflexão. Nesse texto, é sublinhado que o Brasil se afasta cada vez mais de uma agenda "ocidental", de que o caso mais recente é a sua rejeição das sanções à Rússia, por virtude da intervenção na Crimeia. Essa posição, na perspetiva da articulista, culminaria uma deriva "sulista" que, cada vez mais, marca a agenda do Itamaraty.
Há muitos anos que reflito sobre isto e digo aos meus amigos brasileiros que eles estão a cumular dois obstáculos à sua mais do que justa reivindicação para acederem a um lugar de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
O primeiro obstáculo vem dos países do Norte. O alargamento do CSNU a novos países do Sul (consideremos "do Sul" a China e a Rússia) só poderá ter lugar se e quando tal inclusão se fizer de molde a não desequilibrar o atual sentido tendencial de voto no seio do Conselho. Para ser mais claro: só entrará para o CSNU um país do Sul que, no limite, dê garantias sólidas de que manterá uma orientação pelo menos neutral face à conjugação "ocidental" de interesses representada pelos EUA, Reino Unido e França. É injusto? É, mas é assim. Ora, a "excessiva" coreografia da diplomacia brasileira, que já deu sinais "negativos" quanto à questão nuclear no Irão e agora se indicia crítica na sensível questão ucraniana, funciona em claro desfavor das ambições do Brasil.
Mas o Brasil tem também "amigos de Peniche" nos restantes membros do Conselho. Rússia e China estão muito pouco interessados em deixar de ser os únicos a "representar" o Sul neste âmbito, com tudo o que significa de influência junto do "grupo dos 77" - para simplificar, os antigos "países não alinhados". Moscovo pode ter ficado grata com o gesto de Brasília, mas isso nem sequer lhe garante a boa vontade de Pequim. Talvez antes pelo contrário.
Não obstante o esforço voluntarista feito na elevação da sua voz diplomática um pouco por todo o mundo, o trabalho notável na Organização Mundial de Comércio e outras agências multilaterais, a sua constante atenção às operações de paz da ONU, o seu cuidado com as diversas agendas regionais (América do Sul, mas também Médio Oriente e outras), creio que o Brasil tem hoje à sua frente alguns obstáculos sérios nesse seu objetivo de ganhar a consagração institucional suprema à escala global.
Um amigo diplomata brasileiro, muito crítico da atual linha política, dizia-me, já há anos, que o Brasil mantinha uma "diplomacia adolescente" - pela sua excessiva ambição, pela sua frequente precipitação, pela ânsia de pretender "ir a todas". Ele era capaz de ter alguma razão, embora eu considere que essa "juventude" não é nada que se não cure com o tempo.
E, já agora, uma nota de sentido egoísta: Portugal tem tudo a ganhar e nada a perder com uma "subida" do Brasil na escala global das nações. Um dia posso explicar isto com mais pormenor, mas parece-me uma evidência.
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