A essa altura não há mais ninguém que não saiba o que essa data representa. Que foi naquele 31 de marca de 1964 que mais um período convulsionado da República brasileira culminou em quebra da ordem institucional e num governo de Generais-Presidentes que duraria vinte e um anos.
A constante interferência militar na vida política nacional foi um fato duradouro em nossa vida republicana, desde a Proclamação da República, com um golpe de Militares e Cafeicultores poderosos contra o Imperador Pedro II até o final do chamado Regime Militar que começou no movimento de 64.
Essa constante interferência pode ser observada numa lista concisa de eventos de revoltas militares, motins e golpes que foi elaborada pelo general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva:
- Em 1922, ocorreram levantes em quartéis da Vila Militar, Escola Militar do Realengo e no Forte de Copacabana, este último passando à história como o episódio dos “18 do Forte”.
- Entre 1924 e 1927, sucessivas revoltas, principalmente nos Estados de São Paulo, Mato Grosso e no sul do Brasil, culminaram com a campanha da Coluna Miguel Costa-Prestes pelo interior do País.
- Em 1930, a revolução que depôs o presidente Washington Luiz e colocou Getulio Vargas no poder.
- Em 1932, a Revolução Constitucionalista de São Paulo.
- Em 1935, a Intentona Comunista no Rio de Janeiro, Natal e Recife.
- Em 1937, o golpe de Getulio Vargas e a implantação do “Estado Novo”, regime ditatorial que durou até 1945.
- Em 1938, a revolta integralista de Plínio Salgado.
- Em 1945, a deposição do ditador Getulio Vargas e a redemocratização do País.
- Em 1954, a crise político-militar que culminou com o suicídio do presidente Vargas e sua substituição pelo vice-presidente Café Filho.
- Em 1955, o “golpe preventivo” do Marechal Lott, Ministro da Guerra, para garantir a posse de Juscelino Kubitschek na presidência da República, ameaçada pelo então presidente interino Carlos Luz, setores militares e aliados políticos.
- Em 1956, a revolta de Jacareacanga.
- Em 1959, a revolta de Aragarças.
- Em 1961, a crise da posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros, que resultou na implantação do parlamentarismo no Brasil.
- Em 1963, a revolta dos sargentos em Brasília.
- Em 1964, a Contra-revolução de 1964, com a implantação do chamado regime militar.
- Entre 1968 e 1977, o período que abrange o combate à luta armada e sua neutralização.
Em 1978, começou o processo de abertura democrática, com a revogação do AI-5 e a concessão da anistia no ano seguinte. Desde então, não houve mais nenhuma crise política com o envolvimento das Forças Armadas no Brasil.
Esse afastamento da tutela militar da vida institucional brasileira permitiu uma grande institucionalização da democracia brasileira, o que não quer dizer que essa democracia não se encontre em necessidade de melhoramentos institucionais e nem que ela não encontre ameaças, ainda mais com a aparente cleptocracia que vivemos que enseja em vários um desejo de mudança anti-sistêmica que abre a caixa de pandora de todo tipo de totalitarismo e autoritarismo.
A essa altura eu sei que poderia empreender uma viagem analítica sobre a PEB no período militar e para isso consultar os manuais de HRI que me circundam nesse home-office, mas no que isso seria diferente dos muitos terabytes de informação que estão a ser publicados nesse momento?
Além de ser o aniversário do golpe de 1964, o 31 de março é uma data pessoalmente muito dolorida para mim, há nove anos fui informado ao chegar de viagem que meu pai havia falecido e de certo modo desse choque nunca me recobrei, como todos os que perdem entes queridos, apenas encontrei um novo “normal”.
E essa minha tragédia particular encontra um pequeno ponto de conexão com os eventos de 1964, durante anos, enquanto ainda morava em Brasília, mandava celebrar uma Missa para marcar a data e fazer minhas orações devidas e a paróquia que eu frenquentava era a mesma que um numeroso grupo de senhores de terno e numa invejável boa forma física (em sua maioria) e cujo porte denunciava sua natureza de militares da reserva, se reunia para celebrar missa em homenagem ao sucesso da revolução de 64, como eles diziam, e a seus companheiros caídos na luta contra os subversivos.
Confesso que era estranho estar ali e ver uma data tão importante para os que estudam e se interessam pela história e política do Brasil não ter nenhuma importância diante da minha dor e lembrança pessoal. E, talvez seja esse sentimento de pesar que me impede de escrever algo mais aprofundado sobre a questão do golpe e suas condicionantes e resultados, consigo apenas penar em como sinto falta do carinho e dos conselhos do meu pai, mas pelo menos tive a sorte de conviver com ele tantos anos e ter dito que o amava (coisa que não era de nosso feitio) dias antes do seu falecimento. Não escrevo isso para que sintam pena ou simpatia apenas não conseguiria escrever sobre mais nada.
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PS: Meu amigo Paulo Roberto de Almeida escreve uma série de análise do golpe, em seu Diplomatizzando, vale a pena.
PS2: Na foto sou eu no colo do meu pais, no começo dos anos 1980, ao fundo o ‘Bolo de Noiva’, anexo do Itamaraty em construção. Será um sinal do que seria um futuro caso de amor com as coisas internacionais?
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