Pular para o conteúdo principal

O táxi e o choque de civilizações por Francisco Seixas da Costa

japao-taxi Mais uma divertida observação da vida dos que fazem a diplomacia e os negócios internacionais e dos viajantes internacionais. Nesse texto – transcrito com autorização do autor – Francisco Seixas da Costa relata como uma construção teórica pode ser divertidamente (depois de passado o fato, claro) comprovada empiricamente.

"Gajos"

Por Francisco Seixas da Costa

O meu aviāo era muito cedo. Devia partir do hotel, em Tóquio, cerca das 6 da manhā. Na noite anterior, perguntei se haveria táxis à porta do hotel, a essa hora.

(Andar de táxi, no Japão, é uma experiência única. Os taxistas não falam uma palavra de outra língua que não seja o japonês, não entendem geralmente os nomes escritos em carateres não nipónicos, usam luvas brancas e gritam coisas incompreensíveis e ameaçadoras quando, dentro ou fora do carro, pretendemos abrir uma porta - que só se abre, automaticamente, por sua ordem. E, na irrepreensível limpeza do interior das viaturas, há nos encosto de cabeça uma espécie de naperons de renda, como antigamente por cá se viam nas prateleiras de certas casas).

Na receção do hotel, entre sorrisos, foi-me confirmado, por imensos "Yes, Sir!", que os táxis estariam por lá. Por prudência, entendi dever reservar um táxi, por antecipação. Era possível? "Yes, Sir!", claro que era. Escrevi a hora a que pretendia o táxi e o número do meu quarto num papel, entregando-o ao empregado. Anuiu a tudo, levou o papel, desejou-me "Good night, Sir!" e lá fui tentar dormir.

Dia seguinte. Receção do hotel. Outro empregado. Perguntei pelo meu táxi. "Taxi, Sir? Want a taxi, Sir?". Expliquei que tinha "encomendado" um, na véspera. Sorriu. Repetiu: "Want a taxi, Sir?" Enfureci-me: "I want MY taxi! I ordered a taxi for 6 o'clock!". O empregado, vendo o meu estado, fez uma cara de desapontamento e incompreensão: "Your taxi, Sir?". "Yes, my taxi, to go to the airport!". Um sorriso iluminou-lhe o olhar: "Oh! Airport? Taxi, Sir! Follow me!" E lá me levou para a entrada, para apanhar o primeiro táxi que apareceu na fila. Despediu-se às vénias. Sorridente. Missão cumprida, comigo a relaxar, de cabeça encostada às rendas do táxi. Huntigton chamava a isto "Clash of Civilizations". Imagine-se agora o que deve ter sido a chegada dos portugueses ao Japão.

(Não resisto a terminar com a tese que ouvi um dia a um fulano, antigo colega de escola primária, que teimava em ligar a expressão "gueixa" ao termo português "gaja". Ele explicou-me: "O nosso pessoal, à chegada, lá no século XVI, começou a chamar ao pequename local "gajas" e, vê lá tu!, eles habituaram-se. Até hoje!")

___________

Votem COISAS INTERNACIONAIS na segunda fase do TOPBLOGS 2013/2014

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Empregos em RI: Esperança renovada

“A esperança não é nem realidade nem quimera. É como os caminhos da terra: na terra não havia caminhos; foram feitos pelo grande número de passantes.” Lu Hsun. In “O país natal”. O tema empregabilidade domina os e-mails que recebo de leitores e os fóruns dedicados a relações internacionais. Não por acaso deve haver pelo menos 30 textos dedicados ao tema nesse site. E sempre tento passar minha experiência e as dos meus amigos que acompanho de perto. O tema sempre volta, por que sejamos francos nos sustentar é algo importante e vital se me permitirem essa tautologia. Pois bem, no próximo dia 19 de novembro ocorrerá uma grande festa que encerrará os festejos de 15 anos de existência do Curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília. E como parte dos preparativos para essa data temos empreendido um esforço para “rastrear” todos os egressos de nosso curso. Nesse esforço temos criado uma rede de contatos e o que os dados empíricos me mostram é um tes...

O complicado caminho até a Casa Branca

O processo eleitoral americano é longo e complexo, sua principal característica é a existência do Colégio Eleitoral, que atribui aos candidatos uma quantidade de votos, que equivale ao número de senadores ou deputados (lá chamados de representantes) que cada estado tem direito no Congresso dos EUA. Esse sistema indireto de votação é uma fórmula constitucional enraizada no processo histórico da formação dos Estados Unidos, que buscava em um forte federalismo, criar mecanismos que pudessem minorar ou eliminar a possiblidade de um governo tirânico. Esse arranjo federalista se manifesta fortemente, também, na forma como a Constituição Americana é emendada, sendo necessário a ratificação de uma emenda aprovada no congresso pelos legislativos estaduais. São 538 votos totais no Colégio Eleitoral, a Califórnia tem o maior número de votos, com 55 e o Distrito de Columbia (equivalente ao nosso Distrito Federal) e outros 7 estados com 3 votos têm a menor quantidade, o censo populacional é usa...