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Notas contrarianistas sobre a EMBRAPA

embrapa-africa Até onde sei meu amigo Paulo Roberto de Almeida cunhou a expressão contrarianista para ser uma bem-humorada assinatura de seu pensamento, que é essencialmente livre, não livre de influências claras como Popper e outros, mas livre de amarras, de obrigações, de carreirismo oportunista dos “sabujos” – como ele se refere aos áulicos –, ou seja, não se importa do contrariar o senso comum e/ou seus companheiros de academia e de vida diplomática.

Tenho reproduzido com alguma freqüência seus textos, mas isso não é só a minha admiração pelo autor, mas um reflexo da espantosa produtividade dele e no caso desse texto por que também tenho muito apreço por David Ricardo.

A nota abaixo é um comentário a uma notícia que informa a decisão de expandir a chamada “diplomacia agrícola” pela África.

Embrapa: uma empresa de sucesso, mas ainda contaminada pela ideologia companheira

A Embrapa é uma realização brasileira que poderia ter emergido em quaisquer circunstâncias, pois corresponde ao que pode ser chamado de especializações ricardianas, ou seja, as vantagens comparativas relativas, inteiramente cobertas pela teoria do comércio internacional de David Ricardo (uma teoria rejeitada por companheiros mais obtusos, que a confundem com alguma fatalidade do essencialmente agrícola).

Quis o destino -- e nossa trajetória política e tecnológica -- que ela surgisse durante o governo militar, mais exatamente em 1971. Ela se fez, como ocorreu com a "substituição de importações" na pós-graduação de maneira geral, com base na formação de quadros, ou seja, de capital humano, no exterior e no desenvolvimento de tecnologia própria, adaptada ao Brasil.

Trata-se do maior sucesso técnico em matéria de agricultura tropical do mundo, e sua experiência pode ser estendida a todas as demais regiões com biótipos relativamente semelhantes aos do Brasil, e mesmo diferentes, pois o essencial está na P&D adaptada ao ambiente geográfico, ecológico.

Com os companheiros no poder, quiseram transformar a Embrapa em auxiliar da pequena agricultura camponesa, o que é uma estupidez monumental, pois agricultura responde a condições técnicas e a dados de mercado, independente de quem está atrás da máquina ou da propriedade. Agricultura de sucesso é aquela que produz ao menor custo com o maior volume possível, ponto.

O mercado se encarrega do resto, e guia, justamente, os passos dos técnicos que precisam responder aos incentivos e estímulos de mercado para orientar a agricultura.

Tentar transformar a Embrapa em instrumento de justiça social, de redistribuição de renda é criminoso, pois ela foi feita para resolver problemas técnicos, não sociais, que devem ser resolvidos na esfera das políticas públicos, ao maior nível de eficiência possível.

Essa coisa da "diplomacia Sul-Sul" é uma estupidez em si, para si, e para o Brasil, pois é ideologia misturada ao interesse nacional.

A Embrapa deve colaborar com outros países da mesma faixa de latitude pois é nisso que residem suas vantagens comparativas, não porque se pretenda fazer política da agricultura, ou de uma instituição como ela. Ela deve disseminar sua tecnologia pois é do interesse da humanidade, não do governo companheiro. Ela deve ajudar na produtividade agrícola de outros povos pois é nisso que reside sua vocação, sem qualquer exploração política ou ideológica, ou restrição de natureza partidária.

Enfim, uma Embrapa liberta das loucuras companheiras seria uma Embrapa melhor, e mais eficiente.

Paulo Roberto de Almeida

(Aqui você pode ler a notícia que motivou o comentário)

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