O mítico estrategista chinês Sun Tzu tratando sobre os estudos preliminares a guerra nos diz: “A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para sobrevivência ou para ruína” e Li Ch’uan complementa o lúgubre aviso asseverando: “A guerra é um acontecimento tão grave que os homens não devem entrar nela sem antes se preparar com a devida cautela”. Os dois estrategistas antigos aceitam que a guerra é um fenômeno natural, diriam os mais fatalistas que é um fenômeno inerente a natureza humana. E as pesadas palavras deles vieram à tona em minha mente ao ler a excelente reflexão sobre as recentes ações francesas feitas pelo ex-diplomata português – e um dos favoritos desse blog – Francisco Seixas da Costa.
Por Francisco Seixas da Costa
Começam agora a conhecer-se melhor os pormenores do entendimento que impediu o ataque de uma coligação de potências ocidentais ao poder militar sírio. Uma “oportuna” proposta russa, que abriu a porta à entrega das armas químicas detidas pelo regime de Damasco, deu então aos Estados Unidos o pretexto de que Obama necessitava para não ficar na História como mais um presidente americano responsável por uma acção armada sem mandato legitimador.
O “Le Monde” trazia, há dias, interessantes revelações sobre a decepção que este recuo de Washington trouxe ao governo francês, o qual, desde o início, se havia revelado o mais empenhado e entusiasta proponente de um ataque militar, tal como depois se assumiria como o maior “falcão” na negociação nuclear com o Irão. E é interessante constatar que o recorrente alheamento alemão e o conjuntural anti-belicismo britânico transformaram Paris no “enfant chéri” dos americanos, como há uma semana se observou no tapete vermelho que a Casa Branca estendeu a Hollande.
Mas, que diabo! Não é a França que está na soleira de uma crise de défice, que ameaça o cumprimento das metas europeias, já para não falar da observância dos objectivos do Tratado Orçamental? Não terá a França outra coisa mais em que pensar do que empenhar-se em dispendiosas operações militares, como já foram a Líbia e está a ser o Sahel, sendo óbvio que essa nova “drôle de guerre” não seduz um único eleitor interno? É o resgate da memória de uma potência decadente que leva Paris a envolver-se desta forma no seu tradicional “Proche Orient”?
Ao afirmar a sua centralidade no tabuleiro político-militar global, a França demonstra que, independentemente dos líderes de turno, tem a perfeita noção de que a sua força simbólica no mundo resulta da preservação de um vasto conjunto de sinais, onde não é descurado o seu aparelho diplomático, a atenção às Forças Armadas e uma aguda percepção da importância das suas alianças e fronteiras estratégicas. A França percebe que, na barganha económico-financeira a que não poderá furtar-se no quadro continental, esta sua relevância à escala internacional não deixará de ser contabilizada. E ponderada.
Os países com História e com laços que dela derivam têm a obrigação de não descurar o conjunto de projecções que deixaram na memória colectiva internacional, de aproveitarem, se possível ainda com maior acuidade, todos esses “nichos” de afirmação potencial, que os tornam relevantes aos olhos da comunidade global, que lhe oferecem uma capacidade de interlocução em diversos tabuleiros, da cena diplomática à projecção militar. Dir-se-á, com realismo, que nem todos são a França, que o poder de outros Estados com evidentes debilidades não se assemelha ao de uma das maiores economias do mundo. Assim é, mas há países que já deram provas que, no quadro internacional conseguem “to punch above its weight”, para usar uma expressão historicamente cunhada. Felizes os Estados cujas lideranças têm a lucidez para perceber que é na área externa, onde hoje se joga muito do seu destino, que é necessário manter uma presença activa, mobilizada e consciente dos seus interesses estratégicos. E, a contrario, infelizes os outros.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"
_________________
Votem COISAS INTERNACIONAIS na segunda fase do TOPBLOGS 2013/2014
Comentários