Enquanto ainda tento entender os eventos na Eurásia e acompanho com apreensão o isolamento político do povo venezuelano diante do que Ibsen Martínez batizou com ironia e propriedade de Consenso de Havana. Proponho uma reflexão sobre as contas brasileiras, ainda mais em ano de eleição, ou seja, ano que a verdade e os números serão torturados para confessarem o que as campanhas e os políticos querem. E para esse propósito transcrevo uma lúcida análise comparativa sobre a transparência nos programas setoriais (como os estímulos pra venda de automóveis) elaborada por Mansueto Almeida.
“Accountablity” e Transparência: Brasil vs. EUA
por Mansueto Almeida
Há duas coisas que tenho certeza. Primeiro, apesar de todo o tipo de controle que hoje existe no Brasil sobre o uso de recursos públicos, o custo das políticas públicas não é transparente. Um dos meus hobbies favoritos é perguntar para pessoas que defendem a tese que o orçamento no Brasil é transparente o custo de vários programas do setor público. Rapidamente consigo mostrar como é difícil saber o custo dos programas públicos no Brasil.
Segundo, esse problema de falta de transparência no Brasil é muito maior no caso de politicas setoriais do que nas políticas sociais. Quando se olha o crescimento da gasto público não financeiro, nota-se de forma clara que os grandes programas sociais (bolsa família, LOAS, etc) pelo menos aparecem de forma clara no orçamento e como são despesas de caráter obrigatório, os programas de transferências de renda não geram passivos (restos a pagar) para os exercícios fiscais seguintes.
No caso de políticas setoriais há um duplo problema. Primeiro, os subsídios desses programas não são claros. Segundo, não há praticamente nenhum estudo de custo-benefício desses programas nem tão pouco quanto o setor público ou bancos públicos perderam em operações de socorro de empresas e setores econômicos. É aqui que nos diferenciamos para pior dos EUA.
Como é de amplo conhecimento, a crise financeira dos EUA fez com que o governo americano fizesse várias operações de socorro para instituições financeiras por meio do TARP e socorresse também companhias automobilísticas. É possível descobrir quanto o governo perdeu?
Sim, há uma página do Tesouro americano (clique aqui) onde você pode encontrar as informações dos programas de socorro e do seu custo. Nada parecido ocorre aqui no Brasil e página semelhante deveria existir para os casos dos empréstimos do Tesouro Nacional para bancos públicos. Mas aqui, no Brasil, a regra é ser a favor de transparência no discurso, mas fazer tudo para esconder do público o custo que o Tesouro teve e tem com algumas de suas políticas de subsídios.
Se você entrar na página do TARP do Tesouro Americano, poderá ver de forma muito clara e fácil (não precisa ser economista) que o Tesouro americano socorreu companhias do setor automobilístico com US$ 80 bilhões e, até janeiro de 2014, conseguiu recuperar 82,5% desses recursos ou US$ 66 bilhões. Até agora teve uma perda de R$ 14 bilhões, ou 0,09% do PIB dos EUA.
No caso da seguradora AIG, é possível ver que o Tesouro e o FED comprometeram US$ 182 bilhões para estabilizar a AIG, mas tanto o Tesouro e o FED tiveram retorno positivo que somou US$ 22.7 bilhões (ver aqui). O Tesouro americano desde dezembro de 2012 não tem mais ações da AIG e também já vendeu a totalidade de participação na Chrysler e GM.
E no caso do Brasil? Bom, no nosso caso é mais ou menos o seguinte. Não sabemos o custo dos programas setoriais que tiveram início, em 2009, e talvez haja algo divulgado naqueles relatórios obscuros e chatos de ler. Mas nada de forma tão didática como a prestação de contas do TARP nos EUA.
Adicionalmente, os investimentos do nosso Tesouro por meio do BNDES em empresas não foi algo temporário, mas sim uma estratégia de “partnership” entre Estado e empresas privadas. Será que foi bom? Não sabemos e não vamos saber tão cedo porque, no Brasil, se parte do pressuposto que se uma empresa que tinha uma faturamento de R$ 2 bilhões passa a ter um faturamento de R$ 20 bilhões porque comprou com recursos públicos os seus concorrentes, isso caracterizaria um caso de sucesso.
Posso falar uma coisa, na grande maioria dos casos, a começar pela Petrobras, se o BNDES fosse desinvestir hoje como já fez o governo americano teria um brutal prejuízo. Teria com certeza alguns casos bem sucedidos mas vários outros que não deram certo porque, desde 2009, o preço das ações de companhias que receberam forte injeção de recursos público despencaram. Mas “somos um país rico” e não precisamos nos preocupar em mensurar custos como fazem “economias em crise” como os EUA. Vocês sabem que estou sendo irônico, não sabem?
Uma vez perguntei a um dos meus amigos preferidos no governo o que ele achava disso. Ele me respondeu prontamente: “se o Congresso Nacional não exige maior transparência, porque vamos tomar essa iniciativa? Cabe a Legislativo pressionar o Executivo”.
Sei que Deputados e Senadores leem esse blog. Fica a sugestão para eles começarem a pressionar o Tesouro Nacional para fazer a mesma prestação de contas que fez o Tesouro americano. Uma prestação de contas para leigo entender de forma clara e não para ficar escondido em relatórios chatos que ninguém ler e faz a felicidade de alguns burocratas que acham que cumpriram o seu dever público.
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