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O Estado da Desunião, por Márcio Coimbra

Por Márcio Coimbra*

State of Union

Obama entrou no Capitólio confiante. Discursou. Empolgou os democratas, mas nem todos. Diante de uma Casa Branca reativa, nem mesmo os democratas mais moderados têm a audácia de discordar do Presidente. O partido parece unido em torno do Presidente. Apenas parece. Do outro lado, os republicanos, de todos os lados ideológicos, de libertários aos conservadores, sentiam arrepios com o discurso.

Quem esperava um Obama convergente, procurando soluções comuns, uma agenda conjunta com os republicanos, se assustou. O Presidente surgiu combativo, quase imperial em alguns momentos. Sem propostas concretas, apostou na retórica e na sua capacidade de comunicação, mas no que tange a substância, o discurso circulou no vazio e parecia mais como uma preleção de vestiário de futebol, a popular palestra dada pelos treinadores antes do time entrar em campo, do que realmente uma prestação de contas.

Isto tem uma razão. Obama lançou os dados na mesa, começou o jogo das eleições parlamentares que ocorrerão este ano. Como os democratas devem continuar com minoria na Câmara, o Presidente luta para manter pelo menos o Senado, o que daria ainda um fôlego aos últimos anos de seu governo. Obama partiu para o ataque, jogou para a torcida, deu uma injeção de ânimo nos democratas e andou de mãos dadas com a ala populista de seu partido.
Se de um lado, a proposta de uma ampla agenda social, focada na ação do governo ao invés do indivíduo, algo que faria Thomas Jefferson ter calafrios, fornece o combustível para os democratas correrem atrás de votos, do outro gera perigo político. Jogando simplesmente para seu time, Obama aumentou o fosso que separa democratas e republicanos. Sem um compromisso de agenda comum, sua ação serviu para dividir ainda mais o país. Em última instância, do outro lado, é um discurso que ajuda a eleger republicanos ainda mais conservadores para a próxima legislatura.

A América, neste momento, precisa de uma agenda comum, de liderança, de alguém que pense na próxima geração ao invés da próxima eleição. Na verdade, esperava-se que Obama, no meio do segundo mandato, pudesse buscar este caminho. Ao contrário. Com o passar dos anos, o Presidente tem sido mais combativo e intransigente. Ninguém ganha com isso. O discurso de ontem foi mais uma oportunidade perdida. A mensagem mais importante de ontem foi que a mobilização para as eleições parlamentares deste ano já começou.

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*Márcio Coimbra é correspondente Coisas Internacionais, em Washington, D.C. Assina a coluna Diários de Política, que circula aos domingos.

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