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“Estilo Dilma” apareceu na 68ª Assembléia Geral das Nações Unidas

Dilmanaonu

Os idealizadores da imagem da então candidata Dilma se esforçaram por meses para suavizar a imagem de inflexível e grosseira que havia se formado na Esplanada a partir de relatos (comprovados ou não) de colaboradores próximas da então chefa da Casa Civil. Perdurou, é claro, a imagem de exigente de Dilma, embora numa roupagem menos irascível. E essa imagem encontrou eco no eleitorado brasileiro em desesperada busca por seriedade em seus líderes eleitos. E, hoje, esse lado da presidente Dilma fez sua estréia no cenário internacional. Dilma falou grosso na ONU.

Havia grande interesse da imprensa, tanto a nacional quanto a internacional, sobre as palavras de Dilma acerca das denuncias de espionagem feitas por Edward Snowden. Abaixo transcrevo as palavras da presidente sobre o assunto.

“Quero trazer à consideração das delegações uma questão à qual atribuo a maior relevância e gravidade.

Recentes revelações sobre as atividades de uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em amplos setores da opinião pública mundial.
No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois aparecemos como alvo dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram indiscriminadamente objeto de interceptação. Informações empresariais – muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico - estiveram na mira da espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras, entre elas a Missão Permanente junto às Nações Unidas, e a própria Presidência da República tiveram suas comunicações interceptadas.

Imiscuir-se dessa forma na vida de outros Países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país. Pior ainda quando empresas privadas estão sustentando esta espionagem.

Não se sustentam argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações contra o terrorismo.

O Brasil, Senhor Presidente, sabe proteger-se. O Brasil, Senhor Presidente, repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas. 

Somos um país democrático, cercado de países democráticos, pacíficos e respeitosos do Direito Internacional. Vivemos em paz com os nossos vizinhos há mais de 140 anos. 

Como tantos outros latino-americanos, lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu País. Sem ele – direito à privacidade - não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as Nações.

Estamos, Senhor Presidente, diante de um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis; da invasão e captura de informações sigilosas relativas às atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do meu País.
Fizemos saber ao Governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão.
Governos e sociedades amigas, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis.

O Brasil, Senhor Presidente, redobrará os esforços para dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que nos protejam da interceptação ilegal de comunicações e dados.

Meu Governo fará tudo que estiver a seu alcance para defender os direitos humanos de todos os brasileiros e de todos os cidadãos do mundo e proteger os frutos da engenhosidade dos trabalhadores e das empresas brasileiras.

O problema, porém, transcende o relacionamento bilateral de dois países. Afeta a própria comunidade internacional e dela exige resposta. As tecnologias de telecomunicação e informação não podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Esse é o momento de criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros países.

A ONU deve desempenhar um papel de liderança no esforço de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias. E a importância da internet, dessa rede social, para a construção da democracia no mundo.

Por essa razão, Senhor Presidente, o Brasil apresentará propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governança e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos dados que por ela trafegam.

Precisamos estabelecer para a rede mundial mecanismos multilaterais capazes de garantir princípios como:

1 - Da liberdade de expressão, privacidade do individuo e respeito aos direitos humanos.
2 - Da Governança democrática, multilateral e aberta, exercida com transparência, estimulando a criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor do privado.
3 - Da universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não discriminatórias.

4 - Da diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores.
5 - Da neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.

O aproveitamento do pleno potencial da internet passa, assim, por uma regulação responsável, que garanta ao mesmo tempo liberdade de expressão, segurança e respeito aos direitos humanos.

Fonte: Ministério das Relações Exteriores do Brasil

O tom do discurso foi como pode ser observado foi duro e sem os tradicionais floreios da diplomacia – o que surpreendeu a imprensa internacional – e marca uma postura dura por parte do Brasil. Esse discurso inaugura um tom confrontacional que nem a ‘altivez’ da era Lula ensaiou usar nas relações bilaterais.

Ao mesmo tempo em que o tom aparece como grande novidade as soluções propostas pela presidente bebem nas tradicionais linhas da diplomacia brasileira, ao apontar o tratamento multilateral da internet. Aliás, como esperado para uma potência regional, como o Brasil.

Há aspectos, a meu ver, que são exagerados como a ameaça velada de que o Brasil possui e usará meios para se defender da violação de suas comunicações, uma vez que sem o vazamento de Snowden a contra-inteligência nacional não saberia da invasão das comunicações palacianas.

A reclamação brasileira é justa, afinal, não se deveria (em principio pelo menos) espionar um país amigo e que sempre que foi preciso foi um aliado de primeira hora. A presidente, contudo, pode estar carregando demais no tom de sua indignação principalmente na exigência de desculpas públicas o que pode resultar em pouco espaço de manobra e o que acabaria debilitando oportunidades de consecução de objetivos nacionais. O teor do discurso foi o tradicional apanhado das ações do Brasil junto a ONU e o recorrente lembrete da exigência de reforma do Conselho de Segurança e um balanço do que o governo considera avanços de sua gestão.

O discurso – pelo menos sua parte inicial – foi forte e a Dilma “bolada” apareceu na ONU, mas a iniciativa brasileira de tratamento multilateral da governança da internet pode acabar em ouvidos moucos numa Assembléia Geral dominada pela guerra civil da Síria e pela boa-vontade entre Irã e EUA. Parece-me curioso que a resposta da presidente para a intromissão de um governo sobre as comunicações e liberdades na rede seja aumentar a presença de governos na rede. Mas, admito pode ser meu lado libertário sempre refratário a ideia de mais governo e mais burocratas em posição de atrapalhar minha vida.

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