Pular para o conteúdo principal

Evo revista avião da FAB do ministro Amorim ou o mundo é um moinho

“Ouça-me bem amor

Preste atenção o mundo é um moinho

Vai torturar teus sonhos, tão mesquinho

Vai reduzir tuas ilusões ao pó”

Cartola.

Semanas atrás, ao retornar da Rússia, o avião do presidente boliviano, teria sido revistado por autoridades européias, que buscavam pelo “whistleblower” do escândalo de vigilância massiva da NSA, Edward Snowden. Como sabemos, esse fato gerou a ira do governo boliviano e igualmente enfureceu os altermundistas e antiimperialistas na imprensa e nas redes sociais.

Há dois dias a imprensa nacional revelou (aqui, aqui e aqui) que o avião do ministro Celso Amorim, foi cercado e revistado, em La Paz em busca do asilado diplomático, o senador Roger Pinto Molina, que há mais de um ano se refugia na embaixada brasileira daquela capital, alegando grave ameaça a sua vida e perseguição política.

Sobre essa figura legal do asilo diplomático, escrevi nesse blog no dia 20 de agosto do ano passado:

A figura do asilo territorial e do asilo diplomático não possuem um quadro geral de referência no Direito Internacional, ou seja, não são institutos codificados em um tratado multilateral que torne as condutas previsíveis. E mesmo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas não possui sequer menção ao tema. Que de certo deve ser um dos que o consenso é muito complicado de atingir.

Muito embora a prática do asilo seja antiguíssima havendo registros dessa prática por toda parte, embora na antiguidade fosse mais comum que se desse asilo a criminosos comuns e não a criminosos políticos, afinal quem arriscaria uma guerra com Roma, ao proteger um inimigo desse império?

Com o tempo a necessidade de combate aos crimes transnacionais e para incentivar a cooperação entre as diversas jurisdições passou-se a considerar que o asilo era devido àqueles que sofrem perseguição judicial por crimes políticos e de opinião. E passou a ser comum a extradição – sempre que instrumentos bi-laterais assim regulem – de criminosos comuns.

O marco multilateral mais importante que versa sobre o asilo é o artigo 14, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz:

“1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.   

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.”

Fonte: Ministério da Justiça, disponível aqui.

A história de instabilidade e perseguição política na América Latina impulsionou a constituição de um sistema interamericano de regulação multilateral da questão do asilo com dois importantes tratados a Convenção sobre Asilo Diplomático e a Convenção sobre Asilo Territorial.

É interessante notar que o governo boliviano manifestou em várias ocasiões apoio e solidariedade ao pleito do Equador para que seja dado salvo-conduto ao criador do Wikileaks, Julian Assange, contudo, não permite que o asilado na embaixada brasileira deixe o país, mesmo sendo parte do sistema acima descrito.

A história da revista é altamente problemática para o governo brasileiro, por que se tratar disso de maneira pública terá que manter uma postura forte diante do agravo, que parece ser desconfortável na grande estratégia sul-americana desenhada por Marco Aurélio Garcia. E, talvez, isso explique a preferência do governo por um tratamento discreto do assunto que ocorreu em outubro do ano passado (segundo dados do Jornal Valor Econômico, ‘linkado’ mais acima), antes do presidente boliviano receber tratamento aviltante semelhante.

Para Amorim, contudo, que tem parte de sua mitologia pessoal, construída em cima da exploração do episódio em que o então ministro das relações exteriores Luiz Felipe Palmeira Lampreia se submeteu, a despeito de seus privilégios de cargo, a revista em aeroporto dos EUA, o episódio da revista de avião da FAB foi à comprovação da tautologia que nossos avos tanto gostam: “O mundo gira”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...

Teoria geral do comércio de Krugman e Obstfeld

Modelo elaborado por KRUGMAN e OBSTFELD (2001, p 65) propõe um formato de comércio internacional baseado em quatro relações: a relação entre a fronteira de possibilidades de produção e a oferta relativa; a relação entre preços relativos e demanda; a determinação do equilíbrio mundial por meio da oferta relativa mundial e demanda relativa mundial; e o efeito dos termos de troca [1] sobre o bem estar de uma nação. Quanto ao primeiro item a inferência desse modelo é suportada pelo conceito microeconômico que uma economia, sem deformidades, produz em seu ponto máximo da fronteira da possibilidade de produção, como esse modelo assume mais de um fator e mais de um bem, a forma como a distribuição se dará será determinada pela oferta relativa de determinado bem alterando as possibilidades de produção de toda a economia por alocar mais recursos na produção desse bem. No que se refere à relação entre preços relativos e demanda pressupõe que a demanda por determinado bem deriva da relação entre...