Pular para o conteúdo principal

Yoani seja bem-vinda

Nos próximos dias deve haver um acirramento numa constante batalha ideológica, travada na Internet, entre os apoiadores e opositores do regime castrista. A tão esperada visita da blogueira cubana Yoani Sánchez é o catalisador desse acirramento.

Yoani é tratada nos círculos esquerdistas como se fosse um verdugo a serviço do império, que vende sua consciência e, portanto, uma traidora da causa, que deve ser silenciada, humilhada e sempre repudiada.

Tal qual Winston Smith, o entediado burocrata (que é personagem principal do romance 1984) que tem sua vida transformada quando descobre que pode anotar seus questionamentos e desejos em um caderno, longe do alcance do vigilante olhar do Grande Irmão, Yoani viu sua vida mudar ao repartir com o mundo suas observações da sua vida diária em Havana.

Seus relatos pintam uma história de dificuldades e privações e de uma sociedade profundamente marcada pela política de demonização do dissenso e da eterna ameaça do inimigo externo, que justifica a repressão, ela nos mostra como a sociedade se adaptou para enfrentar a escassez alimentar e os pequenos atos de corrupção que são obrigados a cometer todos os cubanos, o que acaba pode acabar por deformar a moralidade cubana.

Percebe-se pela leitura de seu blog, que qualquer transição cubana terá que lidar com muito ressentimento provocado pelas delações de cidadão contra cidadão, ainda que não falte também relatos da saudável solidariedade, a verdade que ela nos lembra é que nenhuma sociedade vive sob o tacão autoritário por tantas décadas sem que isso deixe cicatrizes e divisões profundas. Por isso mesmo, sempre que ousa sonhar com uma Cuba pós-Castro, Yoani sempre fala em reconciliação.

Mas, por ousar a se manifestar de acordo com sua própria consciência e ansiar por liberdade que Yoani é vitima do aparelho de repressão e seus atos de hostilidade,  intimidação e os famosos dossiês que a acusam de qualquer coisa, até de querer progresso material, o que já dá bem a noção do pensamento atávico dos que não se conformam com a liberdade.

Veremos ataques e baixarias nos próximos dias, mas o que é verdadeiramente criminoso e inconcebível é a afirmação de que agentes da repressão cubana estariam destacados para manter vigilância, em território brasileiro, o que nos leva a pensar que há no mínimo omissão da Polícia Federal e da ABIN, que têm a atribuição funcional de contra-inteligência.

Seja bem-vinda Yoani Sanchez, não repara a bagunça e desculpe pelos que defendem apaixonadamente a repressão de seu povo. Que você volte pra Reinaldo, seu marido, Teo, seu filho, com a memória de bons debates e de nossas paisagens e não de nossos – muitos, infelizmente – boçais.

Comentários

Anônimo disse…
Concordo plenamente, Mário.
http://wordsofleisure.com/2013/02/18/brasil-yoani-sanchez-no-brasil/

que ela seja muito bem vinda. Mesmo com todos os atos de hostilidade vergonhosos....

Postagens mais visitadas deste blog

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...