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Yoani Sánchez no Brasil: Um relato sobre a baderna em Feira de Santana

Recepção à Yoani Sánchez, ou “Quatro pernas bom, duas pernas mau”

Por Rafael Falcão*, enviado especial de Coisas Internacionais à Feira de Santana

yoani

Foi com alguma surpresa que recebi, hoje mesmo pela manhã, a notícia de que a famosa blogueira e dissidente cubana Yoani Sánchez iria participar de uma exibição do documentário “Conexão Cuba-Honduras”, do cineasta baiano Dado Galvão, com a presença de autoridades locais e também do Senador Suplicy. Fiquei bastante feliz com fato de uma personalidade bem conhecida visitar essa terra tão fora do circuito principal que é Feira de Santana, portanto decidi conhecer de perto essa pessoa amada por uns e odiada por outros. Pessoalmente não conheço a obra da cubana, decidi ir ouvir o que ela iria falar e ficar a par das histórias e relatos dessa mulher que causa tanto alvoroço.

Pois bem, estava marcado para as 19h, mas cheguei as 18h30, de modo a escolher lugar. Estava até vazio no início. Ao passar da hora mais gente ia chegando, então finalmente chegaram s primeiros protestantes, umas pessoas com camisas que tinham estampadas os rostos de 5 cubanos que foram presos pelos EUA por espionagem, também haviam dizeres pedindo a liberdade deles, ou algo do tipo, não parei para observar com atenção.

Deram-me dois folhetinhos com centenas de acusações à figura da blogueira cubana, tais quais ela era financiada pela CIA, uma agente infiltrada, uma traidora, que afinal em Cuba havia liberdade de expressão sim, pois ela tinha um blog no ar e um twitter. Não tive paciência de ler metade daquilo, impressão, aliás, feita a cores e bem editada, não era algo feito às pressas ou amadora.

O horário foi passando, era cerca de 19h30, mais e mais pessoas chegando com cartazes, camisas de partidos de esquerda, mas nada a Yoani.

Não me recordo exatamente o horário, mas deveria ser quase 20h quando comecei a ouvir gritos de protesto, cantigas e movimentação de gente. Alarme falso, não era a cubana ainda, não faço ideia do motivo daquela comoção. A imprensa filmava tudo aquilo.

O barulho e a movimentação se intensificavam a qualquer movimento da guarda civil, responsável por fazer a segurança. Não deveriam ser mais que 10 deles, manifestantes eram mais de 80% do auditório, que estava bastante cheio. Tantas foram que começaram a recolher as cadeiras. Será que afinal Yoani não viria? Dirigi-me a um senhor muito simpático que segurava um cartaz de protesto, perguntei-lhe se havia cancelado a exibição do filme e se a blogger não viria mais. Ele não sabia. Daí perguntei-lhe se aquele pessoal fazendo aquele barulho todo iria deixar que a cubana falasse, pois tinha graves receios disso. O senhor por sua vez garantiu-me que era um protesto pacífico, outro ao lado disse-me que como ela era cubana iria deixar, se fosse americano que não. Começaram a falar do famigerado embargo dos EUA a Cuba, mas eu disse—lhe que não tinha mais que algumas semanas tinha comprado um belo Romeo y Julieta, que a UE e o Canadá são os maiores parceiros comerciais de Cuba, que somente os EUA mesmo que respeitavam esse embargo. Uma senhora idosa havia entrado na conversa, com aquele discurso doutrinário de que eu nunca tinha ido para lá, que somente indo é que se poderia falar de lá. Disse-lhe que não, que já havia lido em vários jornais e sites sobre a situação da ilha. Com tom de voz irônico, um dos senhores perguntou “E de onde são esses jornais?”, e devolvi-lhe a pergunta “então somente os jornais do governo é que são fiáveis?”. A velha paranóia de que está o mundo todo contra eles. Desconversaram e fizeram menção de seguir para outro lado, com direito a uma outra senhora. dizer que eu só queria criar caso, que não levassem a sério. A senhora. idosa ficava à minha beira, conversando alto, dando indiretas a eu querer saber mais que todo mundo ali, à minha provável condição social e coisas do tipo. Talvez por reparar que não estava dando a mínima, começou a usar de insultos mesmo, referindo que odiava gente branca, que nenhum branco presta, etc. Ri-me sozinho e continuei distraído com meu telefone.

Finalmente os convidados haviam chegado. O primeiro foi o Senador Eduardo Suplicy, que também teve sua cota (!) de cartazes com insultos, de traidor para baixo. Quando a cubana chegou, a horda furiosa avançou com gritos de traíra, vendida, dentre outros adjetivos pouco encantadores e cantinhos que mais pareciam ser de torcida organizada. Pelo menos não partiram para a agressão. Foi preciso fazer um desvio para uma sala ao lado a fim de que os ânimos se acalmassem para que fosse possível que ela se pronunciasse. É, nada de filme para ninguém, mas pelo menos estavam a Yoani e o Supla.

O Senador veio à mesa, já cercada e ocupada pelos manifestantes que, tais quais as famosas ovelhas d’A revolução dos bichos, não deixava ninguém se pronunciar, mas ao invés de “Quatro pernas bom, duas pernas mau!” entoavam cânticos de viva Fidel, viva Cuba, sem pulinhos, mas alguns ensaiaram coreografias de dança. Finalmente um dos que pareciam ser dos líderes de alguma organização pediu à horda que se controlasse, que deixassem com que a blogger pudesse ir a mesa falar, pois ela deveria ser ouvida e debatida com respeito.

Pessoalmente eu não sei se enfrentaria aquelas pessoas que gritavam feito loucas, mas a Yoani resolver dar as caras e finalmente sentou-se à mesa, obviamente sob uma vaia enorme e enxurrada de insultos. Trouxeram as cadeiras de volta. Começou o Senador a fazer seu discurso, que durou por cerca de 15 minutos, onde estabeleceu, juntamente com um auto-proclamado moderador, o tal líder de uma organização, que poderiam fazer 3 perguntas de 3 minutos cada e Yoani poderia responder cada uma em 10 minutos. O Senador falou sobre sua carreira, como defensor do socialismo, apoiava a revolução cubana e rejeitou as acusações de traição, depois se alongou o possível para mencionar que deplorava o embargo e que torcia pelo sucesso da revolução, assim como criticou a falta de respeito dos manifestantes que não deixavam que a cubana se expressasse.

Eis que estrela da noite começou a falar, debaixo inicialmente de muitas vaias. Pena não poder absorver muito do que ela falou, o barulho era intenso e a acústica do prédio muito precária, além de que ela falava um idioma que não domino. Mas, em linhas gerais, ela falou da repressão do Estado, da importância das remessas do estrangeiro e mercado negro para conseguir alimentos básicos, como leite e café.

As perguntas, se é que se pode chamar de perguntas, ao invés de afirmativas e acusações, eram sempre sobre se ela era agente ou se foi financiada pela CIA, como era possível um país com elevados índices de educação e saúde fosse assim tão criticado por ela. Confesso que fiquei irritado com o barulho por várias vezes e pedi às pessoas ao meu lado que me deixassem ouvir o que ela tinha a dizer. Uma dessas vezes eu dirigi-me a um senhor que não parava de dizer que ela se calasse, então disse-lhe eu “O senhor é um grande democrata, as pessoas aqui podem falar e ela não pode falar?”

Ele respondeu algo como, “não, ela já falou muita mentira, já chega!”

Eu repliquei: “É, pelo senhor. ela já deveria estar numa prisão, recebendo uma bala na nuca, não é?”

O senhor gesticulando com as mãos, “Isso mesmo, deveria levar um tiro de AK-47 na cabeça.”

Não duvido que realmente ele quisesse mesmo isso, já cansei de ver por aí maníacos que planejavam assassinatos numa revolução socialista no Brasil, seria mais um.

O cineasta Dado Galvão chegou a falar menos de 5 minutos sobre o documentário que iria exibir, o resto do tempo usou para responder uma pergunta sobre o financiamento da viagem de Yoani, que foram quatro doações de cubanos que moravam no Brasil, de nenhum governo ou instituição.

Infelizmente não pude tirar uma foto com a blogueira, como queria antes, a horda circundava a ela e a seu acompanhante e os guardas faziam muito bem seu papel de afastá-los sem violência. No entanto pude ter uma breve conversa com o Dado, que falou do filme e que estava cansado desse disco arranhado dos comunistas, com a mesma ladainha desde a década de 70.

Balanço do evento: considero positivo, Yoani respondia serena, sempre com um sorriso no rosto, as perguntas e insinuações com a maior desenvoltura, que eu pude perceber. Pude também ver ao vivo essa chusma dos radicais de esquerda que parecem ter vindo diretamente de um livro de Orwell ou Rand.

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*Mestrando em International Management, pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Coimbra.

Foto de autoria do enviado

Comentários

Anônimo disse…
Muito bom!
Ótimo relato, é assustador tudo isso, serve de alerta, vou compartilhar, se não se importa.
Abs,
Wanderley S. Camy
Anônimo disse…
Rafael,
Parabéns e obrigado. Você esteve lá e nos mostrou a realidade de ridículos escravos ideólogicos de Fidel.

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