Pular para o conteúdo principal

Como reagiria a humanidade diante da possibilidade de sua extinção?

Essa pergunta é recorrente em vários tipos de literatura de ficção, em especial no gênero de ficção cientifica. É claro que a grande parte desses livros, filmes e séries, aborda usa a questão da guerra de extinção contra alguma raça alienígena beligerante ou autômatos descontrolados como pano de fundo para debater questões culturais, comportamentais e principalmente políticas, bem atuais.

O mais transparente exemplo disso talvez seja o Distrito 9 e sua criativa abordagem da discriminação contra refugiados e a favelização do campos de refugiados, talvez a coisa mais interessante é que o filme se passa na África do Sul, então mostra a questão por meio de uma visão sul-sul. Ou seja, o filme fala muito mais dos deslocamentos humanos provocados pela instabilidade política na África, que sobre os enigmáticos extraterrestres “encalhados” na bela Johanesburgo e vítimas do que se poderia chamar de novo apartheid.

Mas, o exemplo acima não trata de uma guerra contra a extinção, afinal os alienígenas do filme não estão em condições de ameaçar a humanidade. Um texto clássico desse tipo de embate seria o famoso e centenário “Guerra dos Mundos”, em que a Terra sofre a cobiça de uma raça que dizima com facilidade a resistência militar da humanidade, mas de algum modo não leva a ameaça de bactérias e outros micróbios e acabam derrotados. Pode ser uma afronta aos fãs dizer isso, mas o fato dos poderosos alienígenas não terem nenhuma medida de controle desses micróbios, parece tão improvável que acaba a me tirar do universo da história.

Contudo, meu filme favorito não é nenhum primor de argumento e a história é cheia de buracos. Ainda assim, esse filme apresenta elementos inquietantes e verossímeis sobre as conseqüências políticas da possibilidade de uma ameaça externa. O filme é o “Starship troopers” que relata as aventuras e desventuras de um grupo de recrutas da Infantaria Móvel, uma das Forças Armadas da Federação Unida dos Cidadãos. Trato da versão em filme posto que nunca tive a oportunidade de ler o livro que segundo todos os analistas que li é bastante diferente do filme.

Esse governo planetário unificado, que tem jurisdição, também, em todas as colônias humanas em outras partes da Via Láctea é a coisa mais interessante do filme. Isso porque a Federação tem características de Democracia Representativa, contudo o direito ao voto não é universal.

A crença fundamental desse sistema de governo é que para ter direito a votar e a ser eleito é preciso ser cidadão e a cidadania é conquistada mediante o serviço militar. O serviço militar parece visar neutralizar as diferenças culturais entre as várias regiões do planeta e das colônias externas, homogeneizando o corpo político e anulando o efeito dos regionalismos como criador de tensão política.

A cultura proeminente nesse mundo unificado é a da responsabilização extremada, auto-sacrifícios em batalha e a normalização dos castigos corporais e do uso da pena capital. Fica claro, que se trata de uma distopia que por um lado pune qualquer desvio com severidade e por outro oferece a aparência de democracia, ainda que restrita aos membros da oligarquia militar, que difunde nas escolas que votar é exercer força que deriva da capacidade de violência, portanto, deve ser limitado àqueles que demonstraram ser capazes de fazer da segurança de toda a humanidade sua responsabilidade pessoal servindo pelo menos dois anos (contrato básico).

Os civis parecem desfrutar de uma série de liberdades individuais, de livre empreendimento em troca de obediência e aceitação da oligarquia militar que governa. Pela insistência da Federação na venda de bônus de guerra e produtos diversos se pode inferir que o nível geral de impostos não é elevado.

O bem estar econômico, a liberdade individual relativa (a reprodução precisa de autorização burocrática para ocorrer, por exemplo) e o senso de proteção e segurança, além da certeza de uma reação rápida e brutal, parecem motivar os civis a aceitarem a destituição de seus direitos políticos e viverem sem maiores resistências numa ditadura militar. E isso só me parece possível, por que a possibilidade de sucumbir e ser extinto é real.

O figurino do filme explora muito bem essa realidade terrível ao deliberadamente copiar uniformes alemães da Segunda Guerra Mundial para as Forças Armadas da Federação, inclusive os sombrios sobretudos negros das SS que são usados pelos homens da inteligência militar.

A oligarquia de cidadãos que forma a ditadura militar que governa a Terra nesse futuro imaginário usa a liberdade, principalmente sexual, como incentivo para aceitação de seus pressupostos segregacionistas e de militarização. E mais busca justificação nas conquistas sociais, como igualdade entre gêneros.

Essa peça de ficção vista politicamente é aterradora por que temos uma forma de governo que refina a arte do totalitarismo ao se apresentar como uma espécie de totalitarismo “herbívoro”, mas que na verdade é implacável com qualquer ameaça, mas se limita e ao não invadir demais o dia-a-dia das pessoas passa a ser visto como um governo eficiente que coloca o interesse da coletividade acima de paixões ideológicas e que é capaz de garantir a segurança e a estabilidade.

Esses filmes por mais “popcorn” que sejam e por mais que suas tramas tenham consideráveis falhas conseguem despertar questões intrigantes. E vocês como acham que a humanidade reagiria a uma ameaça de aniquilação?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness