Pular para o conteúdo principal

Skyfall ou sobre cinema e Relações Internacionais

“M: I fucked this up, didn't I?
James Bond: No. You did your job.”

Skyfall

007 Skyfall é um filme arrebatador, possivelmente o melhor filme do agente secreto a serviço de sua majestade, bom pelo menos em minha opinião, que não é de cinéfilo, muito menos de crítico da sétima arte (aliás, ainda chamam o cinema de 7ª arte?). Mas, também é uma obra de arte que nos abre a chance de conversar e refletir um pouco sobre o mundo atual, sobre os conflitos de IV Geração, notadamente sobre o combate ao terrorismo.

Os críticos abordam muito bem os aspectos edipianos evidentes da obra, afinal protagonista e antagonista duelam em torno da sua figura materna representada com maestria pela talentosa Judi Dench, no papel de M, a poderosa chefa do MI-6.

Em 1995, no filme 007 contra GoldenEye, M se referia a James Bond como “relíquia da guerra fria” e o tom era de busca por relevância do próprio serviço secreto que não possuia mais o império soviético para combater. Não é o caso de Skyfall, afinal, o mundo moderno como bem coloca a própria M (na cena em que depõe a Comissão de Inteligência do Parlamento) é um mundo em que há uma guerra nas sombras. E essa guerra como nos ensina o lendário Jack Bauer é um campo fértil para emocionantes peças de ficção.

Talvez, desde a instauração da ordem vestifaliana que o Estado-Nação não se encontra sob um ataque tão cerrado de entidades não-estatais e que não ambicionam ser estado, como os traficantes de droga e seus atentados no México ou em São Paulo. E é esse o clima do filme o da ameaça não ligada a um grupo que quer ser estado ou que quer apenas lucrar com a venda de segredos estatais, o inimigo agora é uma imagem no espelho de Bond, igualmente implacável e tenaz. Em sua loucura consciente e inteligente Raoul Silva (interpretado por Javier Bardem) é a personificação do terrorismo.

Enfrentar o terrorismo é um desafio difícil de ser equacionado do ponto de vista legal, embora não se discuta a legitimidade de combater e coibir a ação dos terroristas, a recente libertação de Abu Qatada ilustra bem a questão, sem contar o pântano legal que é a infame prisão de Guantánamo. E isso fica bem claro na relutância de M de aceitar supervisão civil da comissão parlamentar.

M entende bem que o combate a um inimigo determinado como são os terroristas exige uma personalidade férrea e resiliente e talvez por isso o diretor da película e os redatores tenham usado sutis imagens que remetem a incorporação da fibra moral em tempos de incrível dificuldade que é Winston Churchill que aparece, notadamente, no simpático buldogue de porcelana que decora a mesa de M e que rende um belo epílogo para o filme.

A arte tem o poder de nos fazer refletir e mesmo sendo um filme “mainstream”, “comercial”, “de Hollywood”, como diriam os adeptos de um cinema autoral e mais “artístico”, Skyfall consegue nos fazer refletir sobre as questões do combate ao terrorismo e principalmente como conjugar flexibilidade nos meios de combate com legalidade e accountability. Para essas perguntas a película não oferece respostas, mas em compensação, nos brinda com uma daquelas experiências que você desce as escadas da sala de cinema pensando: “Que filmão!”.

Comentários

Tarzan disse…
Conspicuo Colega ,
Ei de relembrar velhos "chavões" acadêmicos, assistir esses dias SkyFall e a pergunta de sempre : "Será que sempre serão sucateados os modos de defesa da soberania?" Os estados com o fim da guerra fria não tem dado a importância devida à Inteligência vide a ABIn estar sem servidores. Falo, claro, no ambito nacional- regional. Já hoje em dia se vê outros estados atuando firmemente contra qualquer movimentação suspeita- ver a defesa francesa ao governo de Mali- mas de todo modo meu caro um bom filme para se ver , divertir e refletir.

Abraço
Rafael Naito

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness